Ribeiro Cury

Direito Real de Habitação e Seus Contornos

A longevidade e a liberdade possibilitaram a expansão das relações conjugais, sendo comum que a população em geral tenha mais de um relacionamento durante a sua vida. Com a mudança da dinâmica nas relações pessoais, cada vez mais os casais vêm buscando orientação sobre o regime de bens para formalização do casamento e/ou da União Estável.

Se é senso comum que os regimes de bens podem culminar tanto na união quanto na separação total dos bens do casal, tanto na administração destes no dia a dia, quanto por ocasião do divórcio, a questão fica um pouco mais tormentosa quando tratamos da sucessão.

Isso porque a morte de um dos cônjuges/companheiros pode trazer desdobramentos inesperados, como o nascimento de um direito até então inexistente, como o Direito Real de Habitação.

Este direito é a garantia de que o viúvo(a) sobrevivente poderá permanecer residindo no imóvel que servia de moradia para a família, ainda que este imóvel não venha a ser seu por ocasião da herança advinda da partilha de bens.

Esta garantia legal encontra previsão no código civil de 2002 (art. 1.831) e possui a característica de ser vitalício e personalíssimos, ou seja, acompanha o seu titular até o fim da sua vida e não pode ser transferido à terceiros.

O objetivo deste instituto jurídico é garantir a função social da propriedade e possibilitar a continuidade da existência do lar do casal após o óbito de um dos cônjuges, desde que preenchidos alguns requisitos.

Inicialmente, o bem imóvel deve ser o único com a finalidade residencial do casal a ser inventariado. Destaca-se que o casal pode possuir outros bens, móveis ou imóveis, desde que a destinação não seja residencial, para que o direito possa ser invocado.

Além disso, é imperioso que haja a continuidade da residência daquele que invoca o benefício no local, uma vez que a sua mudança para outro imóvel implicará na extinção do direito, diferenciando-o do usufruto neste aspecto.

É curioso perceber que a proteção legal afasta também os interesses de filhos anteriores, de outras uniões, podendo o Direito Real de Habitação ser imposto a estes, que não poderão utilizar do bem enquanto o companheiro/cônjuge supérstite ali permanecer.

É igualmente interessante notar que uma vez constituído, o direito real de habitação afasta a possibilidade de os outros condôminos/proprietários do bem (herdeiros) cobrarem o aluguel do cônjuge/companheiro que ocupa o imóvel em caráter exclusivo. Nesse sentido, possui natureza gratuita para o seu titular.

Se é certo ainda que antigamente havia a necessidade de averbação o Direito Real de Habitação na matrícula do imóvel, atualmente, a jurisprudência mais recente concluiu que a sua averbação na matrícula do imóvel é dispensável.

Contudo é importante lembra que, se o titular do direito decidir se mudar do imóvel, não poderá continuar gozando do benefício legal pois o direito real de habitação subsiste apenas enquanto o imóvel continuar sendo utilizado pelo cônjuge sobrevivente para sua moradia.

Portanto, ainda que não seja proprietário de qualquer parcela do bem, aquele que sobrevive ao seu companheiro de vida, tem a garantia legal de que poderá continuar vivendo dentro do seu lar sem qualquer ônus, graças a este instituto jurídico.

Por fim, mas não menos importante, aquele que pretende fazer jus ao instituto legal, deve fazê-lo na via judicial, por meio de um advogado de confiança, mediante pedido expresso no bojo do inventário, para que o direito possa ser constituído judicialmente por sentença.

Por Victor Pacheco Merhi Ribeiro