Ribeiro Cury

PROPOSTA DE MODERNIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA: O IMPACTO DAS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO CIVIL SOBRE A REPRODUÇÃO ASSISTIDA E A CESSÃO DE ÚTERO

A dinamicidade da vida exige do legislador a atualização da lei para acompanhar suas evoluções. Nesse cenário, o código civil que há poucos anos completou sua maioridade, já necessita de uma ampla reforma, em razão das mudanças promovidas pela tecnologia, cada vez mais presente em nossa sociedade.

Não bastasse isso, a sociedade também possui novos anseios e configurações que também buscam amparo legal na atividade legislativa para a adaptação das transformações sociais.

Nesse contexto, o Anteprojeto de alteração do Código Civil Brasileiro trouxe diversas alterações no âmbito do direito de família, que detalharemos de forma breve neste artigo.

Assim, em razão das novas tecnologias reprodutivas e suas implicações no âmbito familiar, o anteprojeto dedica os artigos 1.512-A a 1.629-V à reprodução humana assistida e à cessão temporária de útero.

Começando pela filiação, o artigo 1.512-A reconhece que o parentesco civil pode se originar não apenas da adoção, mas também da socioafetividade e da reprodução assistida com doação de material genético. Esse reconhecimento é fundamental para garantir a segurança jurídica e o afeto nas famílias formadas por essas vias.

No que tange à reprodução assistida, o artigo 1.629-B assegura que os filhos gerados por essas técnicas têm os mesmos direitos e deveres que aqueles concebidos naturalmente, vedando qualquer forma de discriminação, o que garante justeza e impede qualquer forma de discriminação em relação ao filho gerado por métodos que envolvem tecnologia.

Já o artigo 1.629-C estabelece que qualquer pessoa maior de 18 anos, capaz de expressar sua vontade de maneira livre e consciente, pode se submeter ao tratamento.

A lei também se preocupa com a ética e a autonomia dos envolvidos, exigindo, no artigo 1.629-S, o consentimento informado de todos os participantes, incluindo o cônjuge ou convivente, nos casos de união estável ou casamento, como previsto no artigo 1.629-U. E o artigo 1.629-T reforça a necessidade de informações claras e completas sobre o procedimento, seus riscos e implicações éticas, sociais e jurídicas antes do início do tratamento, de forma a garantir que a escolha do método seja consciente.

Relacionada ao tema da reprodução assistida, a doação de gametas é regulada pelos artigos 1.629-F e 1.629-G.

Segundo o texto do anteprojeto, é permitida a doação pura e simples, sendo vedada a comercialização. O doador, segundo o artigo 1.629-G, deve ter mais de 18 anos, manifestar sua vontade de forma livre, inequívoca e por escrito. A necessidade da manifestação por escrito visa garantir que houve manifestação formal e impedir que haja coleta de gametas sem autorização do doador.

No que tange ao procedimento, o artigo 1.629-H atribui ao médico responsável a escolha do doador, buscando a compatibilidade fenotípica e imunológica com os receptores. A lei garante o sigilo sobre a identidade dos doadores e receptores, conforme o artigo 1.629-I, preservando sua privacidade.

No entanto, o artigo 1.629-K assegura o direito da pessoa nascida por doação de gametas de conhecer sua origem biológica, mediante autorização judicial, em situações que envolvam a preservação de sua vida, saúde física ou mental.

É importante ressaltar que o parágrafo único do artigo 1.629-G impede que médicos e profissionais de saúde da unidade onde trabalham sejam doadores de gametas, evitando conflitos de interesse ou práticas ilegais.

Outra novidade é que o Código também impõe, de forma expressa, limitações ao uso das técnicas de reprodução assistida. O artigo 1.629-D veda a utilização dessas técnicas para fins não reprodutivos, como a criação de seres humanos geneticamente modificados, a produção de embriões para pesquisa ou a escolha do sexo do bebê.

Por fim, o artigo 1.629-J determina que as clínicas e centros médicos informem ao Sistema Nacional de Produção de Embriões os nascimentos decorrentes de reprodução assistida heteróloga, com o objetivo de possibilitar a consulta futura pelos Ofícios de Registro Civil.

Já o artigo 1.629-V trata do destino do material genético criopreservado em caso de divórcio, falecimento ou desistência do tratamento, estabelecendo que os embriões podem ser destinados à pesquisa ou doados a terceiros, mas não podem ser descartados.

Na mesma esteira da reprodução assistida e, adentrando as particularidades da cessão temporária de útero (ou barriga de aluguel), os artigos 1.629-N, 1.629-O e 1.629-P delimitam que a cedente, apesar de gestar a criança, não terá vínculo de filiação com ela.

O vínculo materno-filial se estabelece com a “mãe de intenção”, ou seja, aquela que se propôs a formar a família e que figura no documento formalizado antes do procedimento, conforme previsto no artigo 1.629-O. É importante notar que o artigo 1.629-M proíbe expressamente que a cessão de útero tenha finalidade lucrativa ou comercial, visando proteger a cedente de eventuais explorações e reforçando que esta somente poderá ocorrer por laços de afeto evitando a mercantilização da atividade.

Por fim, mas não menos importante, a maior novidade trazida pelo anteprojeto nesta seara é a reprodução post mortem. o artigo 1.629-Q garante o reconhecimento legal da filiação entre o filho concebido com material genético de pessoa falecida e o genitor falecido, desde que haja manifestação expressa em documento escrito autorizando o uso do material genético.

No entanto, o artigo 1.629-R assegura que a vontade do falecido em vida deve ser respeitada, vedando a coleta e utilização de material genético sem o seu consentimento, mesmo que haja manifestação favorável de familiares.

Em suma, os dispositivos legais analisados demonstram a preocupação do legislador em regular a reprodução humana assistida e a cessão temporária de útero, buscando garantir a dignidade, os direitos e a segurança de todos os envolvidos, em especial da criança gerada e acreditamos que as alterações trazidas pela legislação vem ao encontro da modernização da sociedade brasileira no âmbito do direito de família.

Por Victor Pacheco Merhi Ribeiro