A sucessão causa mortis é um dos institutos mais antigos e relevantes do Direito Civil, por meio do qual se assegura a transmissão do patrimônio do falecido aos seus sucessores.
No momento da morte, abre-se a sucessão, e a herança — entendida como o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados pelo de cujus — transmite-se automaticamente aos herdeiros, nos termos do princípio da saisine previsto no artigo 1.784 do Código Civil.
Contudo, a aceitação da herança não é compulsória. O herdeiro chamado à sucessão pode, por motivos pessoais, patrimoniais ou estratégicos, optar por renunciar ao quinhão hereditário que lhe caberia.
A renúncia de herança é, portanto, um ato de vontade pelo qual o sucessor abdica do seu direito hereditário, produzindo relevantes efeitos jurídicos sobre a partilha e a linha sucessória.
Como dito alhures, a renúncia de herança é o ato pelo qual o herdeiro, regularmente chamado à sucessão, manifesta sua vontade de não receber o patrimônio que lhe caberia.
De acordo com o artigo 1.804 do Código Civil, a aceitação da herança pode ser expressa ou tácita, sendo que, para a renúncia, a lei exige forma específica: escritura pública ou termo judicial, sendo sempre um ato volitivo expresso do renunciante.
Assim, a doutrina majoritária classifica a renúncia como um negócio jurídico unilateral, solene, não receptício, irrevogável e abdicativo.
É unilateral porque depende exclusivamente da manifestação de vontade do herdeiro; solene, pois requer forma prescrita em lei; não receptício, porque não precisa ser comunicada a outros interessados para produzir efeitos; irrevogável, dado que, uma vez praticada, não pode ser retratada; e abdicativo, porque implica a disposição de direitos, sem transferência a outrem.
Ainda, nos termos do artigo 1.845 do Código Civil, são considerados herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Estes têm direito à legítima, que corresponde à metade do patrimônio do falecido, e não podem ser totalmente excluídos da sucessão, salvo por indignidade ou deserdação.
Assim, é certo que qualquer herdeiro capaz pode renunciar à herança. O artigo 1.806 estabelece que a renúncia deve ser feita por escritura pública ou por termo judicial nos autos do inventário, com a manifestação clara e inequívoca da vontade do herdeiro.
Exige-se, portanto, plena capacidade civil, sendo vedada a renúncia por parte de incapazes, ainda que representados e não é possível que a renúncia seja realizada por representante legal no caso de sucessão por cabeça.
Frisamos que a renúncia é sempre um ato integral e irretratável. O artigo 1.808 do Código Civil dispõe expressamente que não se admite renúncia condicional ou parcial.
Dessa forma, o herdeiro não pode, por exemplo, renunciar a parte da herança e aceitar o restante, tampouco condicionar sua renúncia a determinado evento futuro ou em favor de alguém. Assim, para que se possa destinar o patrimônio a ser recebido por herança a terceiro, o herdeiro que deseje beneficiar determinada pessoa, deverá antes aceitar a herança e, posteriormente, transferi-la por meio de doação ou cessão de direitos hereditários, a qual possui natureza jurídica e regime distintos.
Com feito, como a renúncia, conforme visto, é um ato de abdicação, se houver a indicação de uma pessoa determinada para receber a herança objeto da renúncia, estar-se-á, em verdade, diante de uma cessão de direitos hereditários, regulada pelos artigos 1.793 e seguintes do Código Civil.
Nesse caso, há transferência patrimonial onerosa ou gratuita e a operação pode estar sujeita à incidência de tributos, como o ITCMD.
Essa distinção é relevante porque, enquanto a renúncia não gera obrigações fiscais ao renunciante (por não se configurar aquisição), a cessão pode gerar consequências tributárias e contratuais a depender do caso.
Além disso, uma vez realizada de forma válida, a renúncia não pode ser revogada uma vez que a irretratabilidade decorre da própria natureza do ato e da segurança jurídica que deve reger a sucessão.
É importante destacar que a renúncia também produz efeitos diretamente sobre a composição da herança e a ordem sucessória. Conforme dispõe o artigo 1.810 do Código Civil, quando há outros herdeiros da mesma classe, a quota do renunciante acresce à dos demais, ampliando proporcionalmente a parte que lhes cabe.
Por outro lado, se não houver outros herdeiros da mesma classe, a herança será deferida aos sucessores da classe seguinte, respeitando-se a ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1.829.
Essa regra reflete a lógica do sistema sucessório brasileiro, segundo a qual a renúncia não implica transferência direta de direitos a uma pessoa específica, mas sim o prosseguimento natural da linha sucessória.
É importante destacar que, segundo o artigo 1.811, se todos os chamados à sucessão renunciarem e não houver herdeiros testamentários, a herança será declarada vacante, sendo transferida ao Estado após o decurso do prazo legal.
Como visto, a renúncia de herança, disciplinada pelos artigos 1.804 a 1.813 do Código Civil, constitui um instrumento importante do Direito Sucessório, permitindo que o herdeiro abdique de seus direitos sucessórios por razões patrimoniais, pessoais ou familiares.
Vimos, portanto, que a renúncia à herança é um instituto que implica na disposição patrimonial de forma irreversível, o que reforça a importância de que sempre seja realizada com a participação de um profissional qualificado que poderá orientar o herdeiro sobre as suas consequências que serão imutáveis após a lavratura do ato.
Por Victor Pacheco Merhi Ribeiro