O ordenamento jurídico, visando proteger interesses jurídicos, prevê para determinados suportes fáticos a necessidade do prévio assentimento de um terceiro, sem o qual o sujeito de direito não poderá exercer determinada posição jurídica. A esse tipo de assentimento dá-se o nome de autorização, a qual pode ser (i) vigilante, por ter a finalidade de atender a interesse do autorizado ou (ii) auto interessado, por atender a interesse do autorizante.[1] É nesse contexto que se pode falar em “autorização integrativa”.
A “autorização integrativa” tem por finalidade atender a proteção prévia de um interesse do autorizado ou do autorizante, tendo por eficácia conceder uma faculdade jurídica para que o autorizado possa exercer sua autonomia privada, podendo concluir, legitimamente, determinado negócio jurídico. Por não decorrer de uma restrição, mas de uma limitação, as hipóteses em que se exige a prévia autorização integrativa sempre são previstas em lei, a qual indica quando deve existir a autorização, a pessoa legitimada para conceder a autorização e a sanção jurídica em caso de sua falta (inexistência, invalidade ou ineficácia).
Como exemplos de suportes fáticos que exigem a autorização integrativa , é possível citar a autorização do titular do poder familiar para que o menor relativamente incapaz conclua negócio jurídico válido (art. 4º, I e 171, I, e 176, todos do Código Civil) e a autorização da mulher ao marido, casados por qualquer regime que não seja da separação absoluta, para alienar bem imóvel do patrimônio particular deste (artigos 1.647, I e 1649, ambos do Código Civil). No primeiro exemplo o assentimento é vigilante, e no segundo é auto interessado.
Em relação à estrutura, a autorização integrativa é caracterizada como o negócio jurídico unilateral reptício (que deve ser recebido pelo destinatário) e que tem por eficácia atribuir uma faculdade jurídica ao autorizado, permitindo que este possa exercer sua autonomia privada de modo legítimo. Observe-se que o suporte fático do negócio jurídico de autorização tem por elemento cerne do núcleo a declaração de vontade reptícia do autorizante, ao passo que a eficácia do negócio jurídico de autorização (negócio jurídico auxiliar) será elemento complementar do núcleo do suporte fático do negócio jurídico a ser celebrado (negócio jurídico auxiliado), permitindo que este seja válido e eficaz.
Por outro lado, caso o negócio jurídico auxiliado seja celebrado sem a prévia autorização, será, a depender do suporte fático, inválido ou ineficaz. Porém, se a sanção pela falta de autorização for a anulabilidade, será possível a sanção do vício caso esta seja realizada posteriormente, à vista da regra do art. 176 do Código Civil o qual dispõe que “Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização do terceiro, será validado se este a der posteriormente”.
Ainda no estudo da autorização integrativa, é necessário dirimir a dúvida quanto à sua natureza jurídica, em que se questiona se a autorização é ato jurídico stricto sensu ou negócio jurídico. Em que pese a autorização seja sempre prevista em suporte fático legal e o efeito seja previsto em lei, o caráter negocial se sobrepõe. Preliminarmente, porém, é preciso esclarecer que não é possível distinguir o ato jurídico stricto senso do negócio jurídico, sob o argumento de que este possui efeitos ex voluntate e aquele ex lege.[2] Ambos possuem efeito ex lege. O que distingue o negócio jurídico é o poder de auto regramento da vontade, de escolha da categoria jurídica e seu conteúdo eficacial. Numa compra e venda, por exemplo, é possível aos figurantes do negócio jurídico convencionar sobre termos e condições, renunciar à determinados efeitos (e.g. evicção, vícios redibitórios) ou limitá-los (e.g pacto de non petendo) e ainda estabelecer outras avenças[3]
Por sua vez, o ato jurídico stricto sensu, em que pese tenha como elemento do núcleo do seu suporte fático a manifestação consciente de vontade, tem apenas as seguintes finalidades: a) reclamar ou provocar ação ou omissão do autorizado (ato jurídico stricto sensu reclamativo); b) comunicar vontade, visando dar ciência ao autorizado (ato jurídico stricto sensu comunicativo); c) servir apenas como elemento necessário a integrar a ação ou omissão do autorizante ato jurídico stricto sensu compósito); iv) exteriorizar representação ou sentimento ao autorizado ( ato jurídico stricto sensu enunciativo); e v) mandar, impondo ou proibindo ao autorizado, ação ou omissão ( ato jurídico stricto sensu mandamental). [4]
Não há dúvida, portanto, que em relação à autorização integrativa o caráter negocial se sobrepõe, vez que apesar da eficácia principal ser definida em lei, persiste o poder de auto regramento da vontade tanto quanto na liberdade de realizar a autorização, quanto na determinação do seu conteúdo eficacial. A título de exemplo, o pai pode estabelecer os limites quanto ao preço e à coisa que o menor relativamente incapaz está autorizando a comprar.
Quanto à forma, a autorização integrativa deve seguir forma simétrica ao negócio jurídico principal autorizado, conforme dispõe o art. 220 do Código Civil, o qual dispõe que “ A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se à do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento”.
A autorização integrativa também não se confunde com a figura jurídica da permissão. Embora na linguagem vulgar se utilize os termos indistintamente, sendo a “autorização” sinônimo de “permissão”, não se pode negar que os vocábulos, dogmaticamente, configuram figuras jurídicas autônomas. Como visto, a autorização sempre é praticada por um terceiro ao negócio jurídico; diversamente, a permissão é ato do próprio figurante do negócio jurídico.
A característica da permissão pode ser mais bem compreendida quando se examina o suporte fático do art. 117 do Código Civil o qual prescreve o seguinte: “Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo”. O dispositivo regula o chamado negócio consigo mesmo, no qual o representante celebra, em nome e a conta do representado, negócio jurídico de seu interesse consigo mesmo. É a hipótese do mandante, que por atuação do mandatário, celebra contrato de compra e venda em que mandante figura como vendedor e o mandatário, em seu próprio nome e à sua própria conta, figura como comprador. Nessa hipótese a permissão prevista no art. 117 do Código Civil é para que o representante tenha a faculdade jurídica para ser figurante no negócio jurídico sem implicar possível alegação de conflito de interesse, afastando, assim, qualquer pretensão à invalidade do negócio jurídico celebrado.
Outra hipótese de permissão também se verifica no art. 154, §2º, “b”, da Lei nº 6.404/76:[5] Pela primeira parte do dispositivo, o administrador somente poderia celebrar contrato de mútuo ou comodato relativo a recursos ou bens da companhia caso haja prévia “autorização” por parte da assembleia -geral ou do conselho de administração. Em que pese o legislador tenha se utilizado do vocábulo “autorização”, não há dúvida que se está diante da figura jurídica da permissão. Isso porque que o ato é praticado pela própria sociedade anônima- por intermédio de seus órgãos- e não por terceiro, circunstância que é necessária para que haja a autorização . É a companhia que figurará como parte no contrato celebrado com o administrador, que por meio de seus órgãos (assembleia geral ou conselho de administração) outorga a permissão.
Por fim, é oportuno apontar as causas de extinção da autorização integrativa. Segundo Gustavo Haical[6], o regime geral de extinção da autorização integrativa ocorre por aplicação analógica das regras sobre a extinção da procuração (art. 682 do Código Civil). Assim, a autorização integrativa se extinguiria nas seguintes hipóteses: a) quando concluído o negócio jurídico para qual foi concedida a faculdade; b) pela impossibilidade de conclusão do negócio jurídico ao qual foi concluída autorização (e.g. a autorização do marido para que a mulher, com quem é casado pelo regime da comunhão de bens, conclua contrato de compra e venda de coisa imóvel que, antes da data de conclusão do contrato, pereceu); c) pela revogação; d) pela morte do autorizado, antes da conclusão do contrato do negócio jurídico; e f) pela renúncia da faculdade pelo autorizado.
Não há dúvida que a figura jurídica da autorização integrativa se reveste de suma importância, mas que apesar da importância demanda maiores estudos sobre seu regime no Direito Civil Brasileiro.
Por Yuri Pimenta Caon.
REFERÊNCIAS:
[1] Cf. HAICAL, Gustavo. A Autorização no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p.130.
[2] Segundo Pontes de Miranda: “Só há efeitos jurídicos se a regra jurídica os determina, atribuindo-os ao fato jurídico. Nos negócios jurídicos, ainda, quando esses efeitos são queridos pelo figurante, ou pelos figurantes […] a vontade só produz efeitos se a regra jurídica o estabeleceu, isto é, deixou no figurante ou figurantes brancos para auto -regramento […] A vontade só tem efeitos porque é elemento de suporte fático que se torna fato jurídico e é esse que irradia eficácia”. (Tratado de Direito Privado. Tomo III. §253. )
[3] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Existência. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 217.
[4][4] PONTES DE MIRANDA, Francisco C. Tratado de Direito Privado. Tomo II, § 229.
[5] Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.(…) § 2° É vedado ao administrador: (…) b) sem prévia autorização da assembléia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito
[6] HAICAL, Gustavo. A Autorização no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 138.