Ribeiro Cury

QUAIS SÃO OS DIREITOS DO COMPRADOR DE IMÓVEL NA PLANTA COM ATRASO NA ENTREGA DO EMPREENDIMENTO

Uma prática comum no mercado imobiliário é a venda de apartamentos ainda na planta. Funciona assim: a construtora comercializa a futura unidade autônoma com base na descrição de como será o empreendimento, geralmente como meio de reunir recursos para financiar a construção, e o comprador se beneficia dos preços mais atrativos.

Há, no entanto, uma expectativa relacionada ao cumprimento dos termos contratados, tanto com relação à qualidade da construção, quanto com a entrega do prédio no prazo estipulado.

Em primeiro lugar, esta transação é operacionalizada por meio de uma “Promessa de Compra e Venda”, instrumento contratual no qual a parte vendedora (a construtora) se compromete a entregar ao comprador o imóvel descrito. O contrato segue a forma instituída pela Lei de Incorporações Imobiliárias (4.591/1964), cujo artigo 35-A determina que as condições de pagamento, rescisão, correção de corretagem, prazos para pagamento e o prazo final para a obtenção do habite-se (que coincide com a data de entrega) devem estar especificados no quadro resumo.

Em que pese a obrigação da construtora em atender este prazo fixado no contrato, esta mesma lei concede um prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias corridos da data de entrega estipulada contratualmente, desde que esta condição também esteja expressa no contrato, como forma de resguardar a construtora contra atrasos pontuais.

Deste modo, ultrapassado este período máximo de seis meses após o prazo contratual, a construtora está em mora e responde civilmente por este atraso.

Embora os contratos sejam por definição pactos formalizados por duas partes com capacidades equivalentes de negociação, no caso da Promessa de Compra e Venda de Imóveis na Planta o entendimento que é que esta relação é tipicamente de consumo: a construtora impõe determinadas condições que não podem ser modificadas pela vontade das partes, o que caracteriza a disparidade de armas, seguindo a lógica do Código de Defesa do Consumidor.

Deste modo, o negócio jurídico deve ser avaliado considerando o comprador como destinatário final (art. 2°, CDC) e a construtora como fornecedora de um produto/serviço (art. 3°, CDC). A responsabilidade da construtora é objetiva, nos termos do artigo 14 do CDC, de modo que não se exige a comprovação de culpa, bastando a demonstração do atraso para que surja o dever de indenizar.

Assim, ao constatar o atraso na entrega, o comprador em tese poderia escolher entre as três opções do artigo 35, CDC: o cumprimento forçado da obrigação, aceitar outro produto equivalente ou rescindir o contrato com a restituição dos valores pagos, incluindo atualização monetária e perdas de danos.

Porém, pela própria lógica deste tipo de contrato, afinal, tratando-se de um imóvel com atraso na entrega pode ser inviável a entrega forçada ou de equivalente, as duas posturas que são vistas na prática são ou o pedido de rescisão do contrato ou pedido de indenização.

No primeiro caso, o comprador pode acionar, acionar a construtora judicialmente, para exigir a devolução de todos os valores pagos pelo imóvel e acrescentando pedido de lucros cessantes e de indenização por danos morais.

Merece ser ressaltado que, em se tratando de culpa da construtora, a devolução precisa ser imediata e integral, conforme a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça e que sobre o valor deve incidir atualização monetária e juros, sendo possível pleitear judicialmente a inversão da cláusula penal a favor do comprador, com base no Tema 971 (REsp 1.614.721/DF) do Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, é preciso que os valores pagos sejam comprovados e que as parcelas especifiquem a sua respectiva destinação, tendo em vista que eventualmente podem ser identificadas parcelas que não se referem ao pagamento do preço do imóvel.

À título exemplificativo, é o que acontece com contratos que resguardam um montante ao pagamento da comissão de corretagem. A corretagem é qualificada como serviço de intermediação, na qual o corretor de imóveis atua na prospecção para um potencial comprador. Por se tratar de serviço autônomo e tendo regime próprio no Código Civil (artigos 722 à 729), a remuneração do profissional é devida ainda que o negócio não seja bem sucedido, daí a razão pela qual é comum que contratos imobiliários incluam esta previsão, possibilidade que é legalmente permitida.

No segundo caso, o comprador se mantém vinculado à construtora através do contrato e opta por aguardar a entrega do imóvel. Porém, ainda sim pode buscar indenização por danos morais e o pagamento de lucros cessantes judicialmente.

Os lucros cessantes em casos desta espécie, seguem a Tese 996 do Superior Tribunal de Justiça e buscam se equiparar ao aluguel, no sentido de que o comprador possuía a justa expectativa de residir no imóvel adquirido a partir da entrega e que durante o tempo que perdurou o atraso esteve privado da posse do bem adquirido, tendo que arcar com custos extraordinários de moradia. O valor arbitrado jurisprudencialmente varia entre 0,5 e 1% do valor do imóvel, devendo ser pago por mês de atraso.

Os danos morais, por sua vez, visam indenizar o investimento emocional relacionado ao sonho da casa própria, tão comum entre os brasileiros e que demanda anos de preparo familiar, de modo que a estimativa é variável em consideração às particularidades de cada caso concreto.

Vale também a menção a uma hipótese excepcional, em que se percebe que o comprador do imóvel não é o destinatário final do imóvel, quando, por exemplo, adquire como investimento especulativo, é possível que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor seja mitigada. Nesta hipótese, ainda persistem as mesmas duas opções, porém com fundamento nos artigos 389 e 475 do Código Civil e sendo excluída a indenização por danos morais.

Portanto, o adquirente que se encontra em uma situação como esta deve considerar qual o seu interesse em manter o imóvel e a real condição da construtora em entregar o imóvel com qualidade, antes de tomar a decisão.

Por Renata Paschoalim Rocha.