INFLUENCIADORES DIGITAIS: RESPONSABILIDADE CIVIL E A CONSCIENTIZAÇÃO NECESSÁRIA

Por vivermos em uma sociedade hiperconectada e consumista, os influenciadores digitais acabam moldando tendências e comportamentos. Isso se dá pelo fato de desfrutarem de uma grande popularidade nas redes sociais, onde compartilham suas opiniões e preferências sobre diversos assuntos. Consequentemente, as empresas transformam essa dinâmica em um modelo de negócio eficaz para promover e comercializar seus produtos e serviços.

Dessa forma, nos últimos anos, vem se discutindo a regulamentação e a responsabilidade civil dessas pessoas por suas publicidades.

Destaque-se o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, que tem o objetivo de impedir a publicidade abusiva e/ou enganosa perante os consumidores. Este órgão não governamental e sem poder coativo desenvolveu o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária – CBAP[1] para regulamentar as “normas éticas aplicáveis à publicidade comercial, entendida como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideias” (Art. 8º).

Para além dessas regulamentações específicas, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva é um direito básico do consumidor, conforme estabelecido no artigo 6°, inciso IV, da Lei nº 8.078/90.

Diante desse cenário, em recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, uma influenciadora foi condenada a indenizar uma seguidora, por danos materiais e morais, após propaganda enganosa de um curso online[2].

A ação foi proposta em face da influenciadora e a empresa responsável pelo curso. A autora relata que pagou por uma “imersão” com a influenciadora e, com a compra, ganharia acesso gratuito a um curso de marketing digital. Este curso supostamente permitiria que a requerente se tornasse uma parceira de negócios da influenciadora, com a garantia de ganhar pelo menos R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) por dia. No entanto, a demandante não recebeu os lucros prometidos.

Em sentença, a 10ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro determinou o ressarcimento de R$ 829,80 (oitocentos e vinte e nove reais e oitenta centavos) a título de danos materiais, bem como declarou a nulidade do contrato firmado entre as partes.

A sentença destacou a ausência de comprovação de marketing multinível[3], bem como julgou improcedente o pedido de indenização por lucros cessantes e o de danos morais.

A autora interpôs recurso de apelação buscando o reconhecimento dos pedidos improcedentes e, em acórdão, a 30ª Câmara de Direito Privado deu provimento em parte ao recurso, condenando a empresa de consultoria e a influenciadora ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por danos morais.

Para a Relatora Maria Lucia Pizzotti, “é evidente o dano moral suportado pela autora, que foi vítima de graves violações à legislação consumerista perpetradas por pessoa que se utiliza de seu prestígio público para tanto”.

Da análise dos autos, observamos que o cenário atual dos influenciadores digitais desponta como catalisador de comportamentos e até de decisões de se profissionalizar e buscar melhores condições de vida, como ficou evidente no caso em questão.

Além disso, é importante ressaltar que as relações não orgânicas, muitas vezes mediadas por algoritmos, contribuem para problemas como os descritos nos autos. A própria autora narra que estava fragilizada financeiramente e tinha interesse no curso por conta de toda a "ilusão de riqueza fácil" propagada pela influenciadora, que também é empresária e coach.

É de se consignar, ainda, que uma tendência do ano passado foram os sites de apostas, os quais movimentaram até R$ 120 bilhões no Brasil, conforme relatório da XP[4]. Estes jogos, frequentemente patrocinados por influenciadores, destacam esse lado da cultura digital que preocupa. No final do mesmo ano, uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, trouxe à tona detalhes das investigações sobre jogos ilegais e mostrou os influenciadores envolvidos, revelando uma gama de promessas enganosas e a exploração irresponsável do público, em sua maioria, jovem e vulnerável[5].

Os fatores que contribuem para o aumento de processos judiciais como esses são inumeros, incluindo o elevado índice de desemprego no país, a promessa de enriquecimento rápido através da internet e os discursos que permeiam a geração Z.

Embora se reconheça que o problema também tem raízes estruturais, é preciso abordar a responsabilidade dos influenciadores digitais e o papel que inevitavelmente desempenham na sociedade contemporânea. Ao endossar produtos ou serviços, eles associam seu nome/marca àquilo que promovem, assumindo responsabilidade caso se revele uma farsa.

Portanto, é evidente a necessidade de fomentar o debate em torno deste tema, a fim de promover uma maior consciência aos consumidores acerca da responsabilidade na atuação dos influenciadores digitais.

Por Gabriele Bandeira Borges.


REFERÊNCIAS:

[1] código brasileiro de autorregulamentação publicitária. Disponível em: <http://www.conar.org.br/pdf/codigo-conar-2021_6pv.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2024.

[2] TJ-SP 1052135-63.2023.8.26.0002 São Paulo, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 23/01/2024, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/01/2024

[3] Marketing multinível ou marketing de rede é um modelo de negócios em que os participantes ganham dinheiro não apenas através das vendas de produtos ou serviços, mas também recrutando novos vendedores para a rede.

[4] DRSKA, M. O que está em jogo no mercado de R$ 100 bilhões das bets no Brasil. Disponível em: <https://neofeed.com.br/negocios/o-que-esta-em-jogo-no-mercado-de-r-100-bilhoes-das-bets-no-brasil/?utm_source=the_bizness&utm_medium=newsletter&utm_campaign=11-01-2024>. Acesso em: 2 fev. 2024.

[5] “Jogo do Aviãozinho”: quem são os influenciadores investigados por divulgação de jogos ilegais. (2023). Retrieved from https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/12/18/jogo-do-aviaozinho-quem-sao-os-influenciadores-investigados-por-divulgacao-de-jogos-ilegais.ghtml

Gabriele Bandeira Borges