Ribeiro Cury

A REGULAÇÃO DAS “BETS” NO DIREITO BRASILEIRO

Nos últimos anos vimos o desenvolvimento do mercado de apostas esportivas online operadas por diversas plataformas sediadas no exterior, mais conhecidas por  BET’s. Apenas no ano de 2023, foi estimado que tais empresas, apenas no mercado brasileiro movimentaram o vultoso valor superior a R$100 bilhões de reais relacionada a apostas nos mais diversos seguimentos esportivos, o que permite afirmar que se trata de um de setores de maior crescimento atualmente. Consequência desse crescimento é o surgimento de várias empresas do setor  aliadas à uma forte política de marketing que adstrita desde a publicidade nos mais diversos canais de comunicação a exemplo da  TV e da rede mundial de computadores e ao patrocínio de equipes esportivas e campeonatos.

Por meio dessas plataformas é possível apostar desde o resultado de determinada partida esportiva até mesmo a ocorrência de determinados fatos ao longo do evento esportivo. Considerando uma partida de futebol,  esporte de maior prestígio popular pelos usuários das BET’s, é possível apostar não apenas no resultado da partida, mas também o número de faltas de cada equipe, que jogador será advertido com cartão amarelo ou sancionado com a expulsão com o cartão vermelho, o  número de escanteios etc., podendo apostador opinar até mesmo a respeito do tempo em que tais fatos ocorrerão (eg. aposta que determinada equipe terá um escanteio antes de dois minutos do início da partida).

Em decorrência desse crescimento vertiginoso das BET’s, que embora autuassem no país estavam sediadas no exterior, surgiu a necessidade de regulamentar a atividade dessas empresas no território brasileiro, criando normas que regessem desde as hipóteses em que se admite a exploração das apostas, os critérios para a autorização de funcionamento, a integridade das apostas, direitos dos apostadores e a necessidade de fiscalização com a previsão de infrações e sanções aplicáveis.

Para tanto,  foi  promulgada  a Lei nº 14.790,  de 29 de dezembro de 2023,  dispondo sobre o que a lei  definiu como “modalidade lotérica de aposta fixa”, fixando um regime diverso de aposta daquele explorado pelas loterias, que permanece regido por lei especial.[1]

Entre as disposições da novel  lei , no art. 2º da Lei nº 14.790/2023 dispõe a a respeito da conceituação de cada um dos elementos da relação jurídica, destacando-se o apostador, conceituado como a “pessoa natural que realiza a aposta”,  os tipos de  aposta  (“aposta física” e “aposta virtual”),  os tipos de eventos que podem ser objeto das apostas  ( “eventos reais de temática esportiva” e “eventos virtuais”) e o sujeito que está autorizado pelo Poder Público para explorar as apostas, denominado como “operador de apostas”, sendo legalmente conceituado como “a pessoa  jurídica que recebe  autorização do Ministério da Fazenda para exploração das apostas de quota fixa”.

Ponto importante da Lei nº 14.790/2023 é a criação, em seu art. 4º e 5º,  de um regime de exploração que prevê a exploração das apostas de quota fixa em ambiente concorrencial mediante a prévia autorização do operador de apostas pelo  Ministério da  Fazenda. Por expressa disposição legal (art. 5º), a autorização foi disciplinada como ato administrativo discricionário ligado à conveniência e oportunidade do Ministério da Fazenda à vista do interesse nacional e proteção da coletividade e que deve observar as seguintes regras: a)  não sujeição à quantidade mínima ou máxima de operadores;  b) o caráter personalíssimo e intransferível da autorização; e c) a outorga da autorização, a critério do Ministério da  Fazenda, com   prazo máximo de 05 (cinco) anos.

A  Lei nº 14.790/2023 também  estabeleceu   os requisitos para que o operador seja elegível para a exploração das apostas de quota fixa mediante autorização pelo Ministério da  Fazenda, destacando-se, à vista do prescrito no art. 7º, os seguintes:  a) necessidade de ser pessoa jurídica constituída sobre a lei brasileira e com sede no território nacional;  b)  atendimento dos requisitos da regulamentação do Ministério da Fazenda relativo, entre outros aspectos, à valor do capital social, comprovação de reconhecida experiência no ramo de jogos, apostas e loterias, requisitos técnicos de segurança cibernética e exigência de que haja sócio brasileiro titular de pelo menos 20% do capital social.

Além dos requisitos citados, a Lei nº 14.790/2023, em seu art. 12, condicionou a autorização pelo Ministério da Fazenda ao recolhimento de uma contraprestação de outorga limitada a, no máximo, R$ 30 milhões de reais para o uso de até três marcas a serem exploradas pelo operador de apostas em canais eletrônicos. O alvo valor do preço pela outorga pode ser atribuído à preocupação da lei em autorizar apenas pessoas jurídicas que tenham capacidade econômica para explorar o ramo de apostas, o que certamente contribui para uma maior segurança dos apostadores.

A Lei nº 14.790/2023 também previu regras relacionada à publicidade e marketing das operadoras de apostas, que deverão observar alguns critérios a serem regulamentados pelo Ministério da Justiça, a exemplo do direcionamento da publicidade exclusivamente ao público adulto e a veiculação de avisos relacionados aos malefícios do jogo. Destacam-se, ainda, às vedações de publicidade previstas no art. 17, entre elas a  proibição de publicidade de promova a aposta como socialmente atraente, preocupação já existente quando das antigas publicidades das tabaqueiras,  e  que permitam sugerir aos consumidores que a aposta possa ser uma alternativa ao emprego ou solução para problemas financeiros.

A  preocupação com os apostadores também se deu a partir da previsão de regras relacionadas à integridade das apostas para fins de prevenção de fraudes, sendo as operadoras de apostas obrigadas a garantir mecanismos de segurança e integridade na realização das apostas de quota fixa, como se observa no disposto no art. 19 e 20. Obrigação semelhante também foi atribuída às organizações que realizam os eventos esportivos objeto das apostas, que deverão adotar medidas de mitigação de manipulação de resultados e de corrupção.

Observe-se que a preocupação com a integridade das apostas, em verdade, não se limita a proteger os interesses dos apostadores, mas também das empresas de apostas, haja vista que grande parte do seu sucesso está ligado à inexistência de subterfúgios ou manipulações quanto aos resultados. Casos de manipulações de resultado ou de elementos dentro de uma partida, principalmente no futebol, acabaram por ser objeto da CPI das Apostas Esportivas que se encontra em funcionamento no Senado Federal.

Embora recente,  espera-se que a atual legislação seja uma importante baliza para a racionalização do mercado de apostas esportivas permitindo que a prática, cada vez mais popular, seja realizada de forma responsável, como forma de lazer, e com ganhos para a sociedade e para a economia como um todo.

Por Yuri Pimenta Caon.

REFERÊNCIAS:

[1] Os serviços de loteria se encontram regulamentados  pelo Decreto -Lei 6.259/1944