Ribeiro Cury

ALÉM DA PRISÃO E DA PENHORA: AS MEDIDAS ATÍPICAS NA EXECUÇÃO DE ALIMENTOS

Recentemente, uma notícia inusitada ganhou repercussão nas redes sociais, trazendo à tona um tema crucial no direito de família: a cobrança de pensão alimentícia. O caso envolvia um torcedor do Esporte Clube Bahia que, apesar de já ter sido preso duas vezes por não pagar a pensão, só aceitou um acordo judicial e quitou suas dívidas após a Justiça proibi-lo de frequentar os jogos do seu time do coração. A decisão judicial, proferida em 2024, obrigava o homem a se apresentar em uma delegacia quatro horas antes dos jogos do Bahia em Salvador e lá permanecer até o final da partida. Essa situação peculiar exemplifica perfeitamente o uso das medidas executivas atípicas, uma ferramenta cada vez mais relevante para garantir o cumprimento das obrigações judiciais.

As medidas executivas atípicas são providências que o juiz pode determinar para assegurar o cumprimento de uma ordem judicial, sendo consideradas meios de coerção indireta e psicológica, que buscam compelir o devedor a cumprir voluntariamente a obrigação, ao invés de meramente expropriar seus bens. A previsão legal para a aplicação dessas medidas está no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, que prevê que incumbe ao Juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Tradicionalmente, a execução de dívidas pecuniárias se dá pela penhora de bens. No caso da pensão alimentícia, o ordenamento jurídico brasileiro também prevê a prisão civil do devedor como uma medida coercitiva (art. 528, § 3º, CPC), embora seja uma medida gravosa que restringe a liberdade pessoal. No entanto, a experiência tem mostrado que a prisão civil nem sempre é a alternativa mais eficaz para que o credor receba o valor devido, podendo se mostrar ineficaz e até mesmo dificultar o pagamento das parcelas futuras, já que impede o devedor de trabalhar.

É nesse cenário que as medidas atípicas ganham destaque, pois ao invés de atingirem diretamente o patrimônio do devedor, visam criar um constrangimento ou incentivo psicológico para que ele se sinta motivado a quitar sua dívida. O objetivo é a efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, garantir que a decisão do juiz seja de fato cumprida.

Além do caso do torcedor do Bahia, que foi um exemplo de medida criativa e adaptada à realidade do devedor, diversos outros tipos de medidas atípicas têm sido aplicadas ou discutidas nos tribunais. Alguns exemplos são suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), apreensão de passaporte, bloqueio de cartão de crédito, inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes, restrição de circulação de veículo, suspensão de serviços de internet e telefonia, proibição de inscrição em concurso público ou de participação em licitações públicas, fechamento de estabelecimento comercial e proibição de contratação de funcionários.

Destaca-se, porém, que a adequação da medida deve ser avaliada considerando as particularidades de cada caso concreto. Medidas que, por exemplo, impossibilitem o devedor de trabalhar e gerar renda podem ser contraproducentes, pois dificultariam ainda mais o pagamento da pensão alimentícia. Ademais, a aplicação das medidas não é ilimitada, devendo ser balizada pelos seguintes princípios:

  • Razoabilidade e Proporcionalidade: As medidas devem ser adequadas ao caso concreto, necessárias para atingir o objetivo e não podem ir além do estritamente preciso, sempre respeitando a dignidade da pessoa humana;
  • Subsidiariedade: O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que as medidas atípicas possuem caráter subsidiário em relação aos meios típicos. Isso significa que elas só devem ser utilizadas após o esgotamento das vias executivas convencionais e se houver indícios de que o devedor possui patrimônio para saldar a dívida;
  • Decisão Fundamentada e Contraditório: A decisão que determina a medida atípica deve ser devidamente justificada pelo juiz, explicando os motivos e a pertinência da medida no caso específico. Além disso, o devedor deve ter a oportunidade de se manifestar e se defender (contraditório), ainda que em um momento posterior à determinação da medida;
  • Caráter Satisfativo e Não Punitivo: A finalidade das medidas atípicas é compelir o devedor a pagar, não o punir. Elas buscam estimular o cumprimento da obrigação, não se sub-rogam na dívida ou visam castigar o devedor.

Assim, as medidas atípicas podem ser uma ferramenta promissora para garantir a eficácia das execuções alimentares, especialmente em um cenário onde os meios tradicionais de cobrança muitas vezes se mostram insuficientes. Elas abrem um leque de possibilidades para que o Poder Judiciário consiga, de forma inovadora e com base na lei, compelir os devedores a honrar seus compromissos, especialmente em se tratando de obrigações alimentares, que são essenciais para a dignidade e subsistência dos credores.

Por Carla Martins de Oliveira