Ribeiro Cury

AS DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS NAS AQUISIÇÕES DE IMÓVEL EM LEILÃO

Apesar dos preços atrativos, ainda existe a crença de que o risco jurídico envolvido na aquisição de imóvel em hasta pública (leilão) é muito elevado. O receio de que as dívidas do antigo proprietário serão transmitidas para o adquirente (arrematante) talvez seja a principal razão para afastar possíveis interessados.

Uma questão que sempre suscitou dúvida e que frequentemente acabava virando litígio era sobre a possibilidade de se atribuir ao arrematante, em decorrência de previsão em edital, a responsabilidade pelos débitos tributários incidentes sobre o imóvel (a exemplo do IPTU), anteriores à arrematação.

Essa discussão foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, em recente julgamento de recurso repetitivo (Tema 1.134), que firmou a seguinte tese jurídica:

“Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação”.

O caput do art. 130 do CTN estabelece que os débitos de natureza tributária que incidem sobre o imóvel sub-rogam-se na pessoa adquirente, ou seja, são transferidos para o comprador, ainda que o fato gerador desses débitos tenha sido anterior à aquisição do imóvel.

Significa dizer que as obrigações tributárias cujo fato gerador seja a propriedade possuem natureza propter rem, isto é, são obrigações que acompanham o bem, desobrigando o alienante (vendedor) do seu cumprimento a partir do momento em que transfere a propriedade ou o domínio do bem, transferindo para o adquirente (comprador) a responsabilidade pelo seu cumprimento.

Esse comando geral é aplicado, por exemplo, quando o modo de aquisição da propriedade ocorre de forma derivada, ou seja, quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade das partes (transferência voluntária da propriedade).

O parágrafo único do artigo em questão, por sua vez, traz uma exceção à regra geral prevista no caput, ao dispor que, em se tratando de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço, e não sobre o bem ou sobre a pessoa do arrematante.

Vale dizer que nos casos de aquisição de imóvel em leilão, é o preço da hasta que irá garantir o pagamento dos débitos tributários anteriores à arrematação, ficando o arrematante desobrigado do pagamento de eventual “saldo devedor” caso o preço pago seja insuficiente para cobrir o montante total do débito.

Com efeito, eventuais débitos fiscais que já incidiam sobre o imóvel antes da sua alienação deverão ser abatidos do preço da arrematação, nada mais podendo ser exigido do arrematante, dada a sub-rogação no preço.

Importante destacar que a arrematação em hasta pública foi considerada pelo STJ como uma aquisição originária, já que inexiste relação jurídica entre o arrematante e o antigo proprietário, isto é, a propriedade é adquirida pelo arrematante em virtude de ato compulsório, e não de ato negocial privado.

A sub-rogação no preço, aliada ao status de aquisição originária, tem o efeito de expurgar qualquer ônus obrigacional sobre o imóvel, que deverá ser transferido para o arrematante livre de qualquer encargo ou responsabilidade tributária.

Em resumo, o STJ fixou as seguintes diretrizes:

  1. A aquisição de imóvel em hasta pública ocorre de forma originária, afastando a responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários incidentes sobre o imóvel antes da arrematação; eventuais débitos fiscais que já incidiam sobre o imóvel antes da alienação deverão ser abatidos do preço da hasta, nada mais podendo ser exigido do arrematante, dada a sub-rogação no preço;
  2. Edital de hasta pública não pode se sobrepor à norma de natureza cogente, ou seja, será considerada inválida qualquer previsão editalícia que atribua ao arrematante a responsabilidade pelos débitos tributários anteriores à arrematação, por configurar afronta ao parágrafo único do art. 130 do CTN (apenas a lei pode alterar o sujeito passivo de obrigação tributária);
  3. A ciência quanto as cláusulas do edital ou a concordância (tácita ou expressa) por parte do participante do leilão em assumir os encargos tributários anteriores à arrematação, não configura renúncia tácita ao comando do parágrafo único do art. 130 do CTN, sendo, portanto, irrelevante para fins legais;

Acertada a decisão do STJ, na nossa avaliação, uma vez que confere maior segurança jurídica à essa modalidade de aquisição de propriedade, limitando a responsabilidade do arrematante por débitos tributários anteriores à alienação do imóvel ao preço da arrematação. Não fosse assim, ninguém arremataria imóvel em hasta pública, pois estaria sempre sujeito a perder o bem arrematado, não obstante tivesse pago o respectivo preço.

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