Nos contratos de compra e venda de imóvel ou de financiamento imobiliário com prazo mínimo de 36 meses, é admitida a estipulação de cláusula contratual prevendo a correção monetária das parcelas em periodicidade mensal.
Nesse sentido, é o que dispõe o artigo 46, da Lei 10.931/04:
Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.
A contrário sensu, deverá ser anual a correção monetária das prestações, nos contratos com prazo inferior a 36 meses.
Ocorre que muitas construtoras têm estipulado uma única parcela final, de valor ínfimo (que muitas vezes representa menos de 1% do valor do imóvel), depois do 36° mês, com o nítido propósito de burlar a legislação, enquadrando-se na hipótese do artigo acima mencionado, que permite a correção monetária mensal das parcelas nos contratos com prazo mínimo de 36 meses.
Essa prática adotada pelas construtoras caracteriza abuso contratual, consubstanciado na ampliação deliberada e fraudulenta do prazo contratual para permitir o reajuste mensal das prestações, tornando o negócio muito mais oneroso para o comprador.
Eis o entendimento da Jurisprudência sobre o tema:
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – CORREÇÃO MONETÁRIA – Discussão relativa à periodicidade da correção monetária incidente nas prestações ajustadas no instrumento contratual – Contrato celebrado em 15/08/2020, com previsão de 18 prestações reajustáveis mensalmente em um período de 12 meses, mais uma única prestação no valor de R$ 1.000,00, com vencimento em 15/09/2023 – Contrato integralmente quitado pela compromissária compradora em 12 meses – Pretensão de nulidade do reajuste mensal das prestações, ao argumento de afronta ao art. 46 da Lei nº 10.931/04, que permite a incidência de correção monetária mensal apenas nos contratos com prazo mínimo de 36 meses – Sentença de procedência – Recurso da ré – Não acolhimento – Ré que estipulou no contrato o pagamento de uma parcela em valor ínfimo em relação ao preço do imóvel, sem qualquer embasamento, com vencimento no 37º mês da data da assinatura do contrato, evidenciando o intuito de se enquadrar a hipótese no art. 46 da Lei nº 10.931/04 e, com isso, permitir a incidência de correção monetária mensal – Ilegalidade que implica a nulidade da cláusula contatual e a restituição à autora do montante excedente – Sentença mantida – Honorários recursais devidos – RECURSO DESPROVIDO (TJ-SP – AC: 1055003-48.2022.8.26.0002, Rel. Ângela Moreno Pacheco de Resende Lopes, julgamento em 25/07/2023)
Como se vê, a prática desse tipo de expediente fraudulento (manobra contratual), que consiste na criação ou estipulação de parcela final “fictícia” ou “artificial”, a fim de viabilizar o reajuste mensal das prestações, denota, no mínimo, ausência de lealdade e boa-fé contratual, com o objetivo claro e inequívoco de obter vantagem financeira, sabidamente indevida.
Por fim, vale destacar que a relação jurídica estabelecida entre o comprador e a construtora é de consumo, razão pela qual o comprador, ao menos em tese, terá direito à restituição em dobro dos valores pagos ou desembolsados indevidamente, nos termos do artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
Por Luiz Alberto Cury Júnior