O ordenamento jurídico é uma expressão da soberania nacional, sendo formado a partir do que aquela sociedade compreende como justo e adequado para reger suas relações. Neste sentido, as fronteiras do território, a priori, também delimitam a aplicação das leis no espaço.
No entanto, nenhuma nação existe isoladamente, de modo que existem fatos jurídicos transnacionais, ou seja, situações com relevância jurídica para mais de um Estado, em que há risco de concorrência entre diferentes jurisdições, sem prejuízo aos instrumentos particulares, nos quais é possível que as partes optem por determinado foro por convenção das partes.
Existem três tipos de jurisdição: a (i) legislativa, a capacidade do Estado em promulgar leis vinculantes dentro de seu território; a (ii) executiva, a atuação material, a efetiva aplicação das leis e (iii) judicial, o poder de processar e julgar as causas.
No âmbito do Direito Internacional Privado, no entanto, os dois últimos tipos são especialmente relevantes por levantarem o questionamento acerca de qual ordenamento jurídico é competente para julgar um determinado o caso transnacional e dizer qual é o ordenamento aplicável. Este texto analisa somente os critérios que podem ser usados para determinar o foro em que um determinado litígio transnacional seja processado e julgado.
Em primeiro lugar, cada país determina o regimento de seu próprio foro, com as respectivas regras de competência. Cabe ao próprio juízo avaliar se deve aceitar ou rejeitar a ação proposta. Assim, de modo geral, é possível que o Estado coloque diretamente a sua legitimidade para o enfrentamento de determinada matéria ou que esta seja aferida através de competência de seus órgãos internos, determinação indireta.
À título exemplificativo, o Brasil adota o método direto, quando o art. 46, § 3º, Código de Processo Cívil prevê uma exceção à regra geral de propositura da ação no foro de domicílio do réu, quando este residir no exterior, permitindo a tramitação no Brasil, junto ao domicílio do Autor. Também é possível que os tratados internacionais sejam a fonte para o foro, como faz a Convenção da Haia sobre Acordos de Eleição de Foro (2005) ao reconhecer a validade da execução de cláusulas contratuais de eleição de foro.
Esclarecido este ponto, a determinação do foro parte para análise parte da relação direta ou indireta do vínculo com Estado, que pode levar à identificação de conflitos positivos, no qual mais de um Estado se considera competente, ou negativos, no qual nenhum Estado se considera competente.
O elemento de conexão, por sua vez, é aquilo que vai ligar o Estado ao ato ilícito e pode ser baseado em fontes diversas, tanto na legislação nacional quanto em tratados internacionais, sendo que a doutrina aponta quatro elementos tradicionalmente acionados: o (i) território; a (ii) personalidade; (iii) interesse na jurisdição e a (4) universalidade.
Pelo critério da territorialidade, o foro de competência é vinculado ao local em que ocorreu o dano, sendo considerado também a extensão até onde os efeitos são sentidos, prevalecendo o local em que a maior parte dos danos são percebidos.
Merece destaque por ser associado ao cometimento de crimes de gravidade extrema e relevância internacioanal, como é genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade, tortura e desaparecimento forçado, sendo adotado no Estatuto de Roma, em que os Estados signatários assumem o dever de processar o ilícito ou extraditar e permitir que outro Estado ou o Tribunal Penal Internacional o conheça e julgue estes ilícitos.
Por sua vez, a personalidade pode ser associada à nacionalidade ou domicílio do agente ou do infrator, sendo recorrida tanto na hipótese de abranger nacionais de um Estado por feitos praticados em outros Estados, quanto para proteger nacionais em outros países. É também associada à impedir que a impunidade prevaleça, por exigir que os Estados cooperem entre si para garantir a execução da sentença proferida.
O interesse na jurisdição, é um conceito mais abrangente e controverso se comparado aos anteriormente analisados por ser recorrida em momentos em que o vínculo não seria forte o suficiente para implicar na aplicação de uma lei estrangeira. Neste sentido, nos Estados Unidos existem precedentes que falam em uma “presunção de extraterritorialidade”, de modo que seriam aceitas somente ações cujo vínculo seja suficientemente forte.
Por fim, pelo elemento da universalidade, se remete à existência de valores universais, capazes de serem defendidos por meio da jurisdição universal, resguardadas às graves violações de Direitos Humanos.
Com efeito, o reconhecimento da universalidade como um critério relevante também é de grande controvérsia no Direito Internacional, principalmente considerando que persistem debates acalorados acerca da possibilidade dos indivíduos e das empresas transnacionais em serem reconhecidos como sujeitos de direito Internacional, de modo que a sua proteção no âmbito internacional ainda é restrita.
Os defensores desta forma de extraterritorialidade argumentam que é um mecanismo que reforça o Direito Internacional como um todo, além de garantir o acesso à justiça e ao devido processo legal em casos de violações graves de Direitos Humanos e ambientais, principalmente quando o foro de primeira escolha for comprovadamente incapaz de promover ou negar o julgamento que satisfaça justiça de acordo com os interesses dos afetados.
Por Renata Paschoalim Rocha.
REFERÊNCIAS
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DE SHUTTER, Olivier. Extraterritorial Jurisdiction as a tool for improving the Human Rights Accountability of Transnational Corporations, 2006.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direito Internacional. São Paulo: Saraiva Jur, 2012.
SHAW, Malcolm N.. International Law. 8. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2019