Ribeiro Cury

“Dark Patterns” e a Relaçao de Consumo

Frequentemente, nós, enquanto consumidores, ao realizar compras de bens ou serviços em ambiente virtual nos deparamos com anúncios ou mecanismos que nos impelem a realizar a contratação, sem que consigamos ter a real ciência quanto a todos os aspectos quanto ao que foi contratado. Não raras vezes, somos levados a adquirir um produto mais caro em razão de uma publicidade em destaque em um site, ou, deixamos de cancelar uma assinatura que não mais queremos em razão da dificuldade quanto à essa operação.

A esse tipo de conduta adotada por fornecedores os especialistas denominam “dark patterns”, que podem ser definidos como forma de manipulação em ambiente de compras virtual que induzem as pessoas a realizarem determinadas condutas contra seus interesses. O pano de fundo dessa prática é a suscetibilidade dos consumidores realizarem a contratação dadas determinadas circunstâncias, o que é explicado pela psicologia comportamental.

Apesar de ser um tema com grande destaque nos Estados Unidos da América, a temática somente chamou a atenção dos debates jurídicos na Europa e no Brasil a partir do processo movido pela norte-americana Federal Trade Comission (FTC) contra a Amazon.com por supostamente enganar milhões de consumidores para assinarem o serviço “Amazon Prime” sem seu consentimento, além de criar dificuldades para as tentativas de cancelamento do produto.

Segundo a acusação da FTC a prática da Amazon.com consistia em ofertar aos seus consumidores que efetuavam a aquisição de produtos no site diversas oportunidades de assinarem o serviço “Amazon Prime”, sem, contudo, informar que ao realizarem a assinatura esta seria automaticamente renovável. Além disso, segundo a FTC o processo de cancelamento do Amazon Prime não fora desenhado para permitir o seu cancelamento, mas para evitá-lo. No caso, o consumidor, ao tentar efetuar o cancelamento, era redirecionado a várias outras páginas com ofertas para dar continuidade ao serviço, sendo dadas opções como descontos, desativar a renovação automática ou desistir do cancelamento. Apenas após passar por todas essas páginas o consumidor conseguia cessar a assinatura do serviço.

O exemplo da Amazon.com é paradigmático, mas se soma a outras formas mais sutis de manipulação por “dark patterns”, tal qual oferecimento na primeira tela do sítio ou página da web, apenas os produtos mais caros do catálogo do vendedor, como forma de induzir o consumidor a compra sem uma pesquisa prévia.

O mesmo tipo de manipulação também pode ser observado em chamadas de promoção relâmpago com contador regressivo de poucos minutos, a exemplo de um anúncio com os seguintes dizeres “você tem dois minutos para realizar a compra para que tenha direito a um desconto de 50%”. Ainda, de forma mais cotidiana, a manipulação ocorre quando fazemos um pedido de pizza e somos instados a selecionar uma bebida ou marcar a opção de que não queremos adquirir uma bebida para prosseguir.

À primeira vista, não se observa nenhuma irregularidade nas condutas adotadas, uma vez que não há qualquer norma que determine a forma ou sequência de apresentação dos produtos e ofertas, nem mesmo a vedação do oferecimento de descontos com eficácia durante certo prazo. Da mesma forma não se verifica qualquer prática de oferta ou publicidade enganosa ou abusiva que são vedadas pelo art. 36 do Código de Defesa do Consumidor. E também, referidas condutas podem não ser consideradas tratamento de dados pessoais sem consentimento, o que, em regra, seria vedado pela Lei nº 13.709/2018 ( Lei Geral de Proteção de Dados).

Do mesmo modo, também não estaríamos diante de vícios do consentimento previstos no Código Civil como o erro (art. 138), dolo (art. 145) ou a lesão (art. 156). Não há dúvida que o consumidor quis a contratação e não agiu com falsa percepção da realidade a respeito de elemento substancial do negócio jurídico e nem assumiu prestação desproporcional sob premente necessidade ou por inexperiência.

O que se tem em relevo ante os “dark patterns” é um verdadeiro prejuízo da liberdade de contratação do consumidor por força do “ambiente de contratação”, vez que este é impelido a contratar mesmo contra seus próprios interesses. É nesse contexto que, recentemente, o Estado da Califórnia editou o California Privacy Rights Act – CPRA que conceituou os “dark patterns como uma “interface de usuário projetada ou manipulada com efeito substancial de subverter ou prejudicar a autonomia, tomada de decisão ou escolha do usuário, conforme definida pela regulação”[1].

Por certo, o debate sobre o “dark patterns” ainda terá novos capítulos e será algo ser considerado pelo Legislador a fim de viabilizar novas formas de proteção àquela parte da relação de consumo cuja vulnerabilidade é presumida pela lei (art. 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor).

Deste modo, já pensando nas repercussões comerciais e legais futuras, é importante que fornecedores que comercializam produtos e serviços da web se conscientizem dessas práticas e das diversas formas que referida manipulação possa ocorrer, seja direta ou indiretamente.

Assim, é sempre importante que o fornecedor, mesmo já consolidado no mercado, conte com orientação de um advogado especialista para análise de todo o contexto do negócio, não se limitando a instrumentos de contrato e a aspectos operacionais, mas também da própria plataforma em que as ofertas serão apresentadas a seus clientes

Por Yuri Pimenta Caon.

REFERÊNCIAS:

[1] Tradução livre do original: [a] user interface designed or manipulated with the substantial effect of subverting or impairing user autonomy, decision- making, or choice, as further defined by regulation.”