Os Jogos MMO (Massively Multiplayer Online), também chamados “jogos online massivos”, são aqueles onde centenas de usuários podem jogar ao mesmo tempo e interagir em um espaço virtual compartilhado.
É importante que os jogadores entendam que a ideia de que apenas o desenvolvedor ou o proprietário do jogo controla quem pode acessar e jogar já não se aplica. Por exemplo, um jogador não pode ser simplesmente banido sem qualquer justificativa. Seu caso pode ser revisado, inclusive por vias judiciais.
Um exemplo recente dessa situação ocorreu na 3ª Vara Cível de Campinas/SP[1] que determinou, no prazo de 15 dias, a reativação da conta de um jogador, bem como o pagamento de R$ 5.000,00 a título de danos morais, além de devolução dos valores gastos no jogo a título de danos materiais, acrescido de correção monetária e juros de mora na forma dos artigos 389 e 406 do Código Civil.
Neste caso, o autor atuava como jogador profissional e teve sua conta suspensa injustamente, o que prejudicou sua reputação no ranking de jogadores. Em sentença, o juízo aplicou a teoria da aparência, que tem como objetivo proteger a boa-fé do consumidor, uma vez que ré não comprovou uma suposta trapaça alegada.
O juiz também mencionou um precedente do TJSP do ano de 2024, que estabeleceu como tese de julgamento que o “banimento injustificado de conta em plataforma de jogos online configura dano moral.”[2]
O fundamento para isso vem da própria Constituição Federal, que em seu artigo 5º, inciso LV, garante que, em processos judiciais ou administrativos, todos têm direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos adequados. Veja-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Além da Constituição, foi sancionada em 3 de maio de 2024, a Lei nº 14.852, que criou o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos, representando um importante avanço no desenvolvimento do setor e na proteção das obras criadas.
O artigo 6° dessa lei determina os princípios e diretrizes fundamentais dos jogos eletrônicos, entre eles a observância dos direitos fundamentais e a proteção ao consumidor:
Art. 6º São princípios e diretrizes desta Lei:
(…)
IV – respeito aos direitos fundamentais e aos valores democráticos;
V – defesa do consumidor e educação e informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres;
Ressalte-se que a indústria de games no Brasil movimenta cerca de R$ 13 bilhões de reais e fatura 1,2 bilhão de reais por ano, segundo a consultoria Newzoo, com recorte de mercado até o ano de 2023[3].
Com um setor tão grande e aquecido, é evidente que a implementação de regulamentações se faz necessária para garantir maior segurança jurídica, tanto para os jogadores quanto para os desenvolvedores de jogos.
Além disso, a relação jurídica entre as partes (jogador e desenvolvedor) é de consumo, sendo regulada pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), conforme estabelecido nos artigos 2º e 3º desse Código. Essa regulamentação assegura uma relação mais equilibrada e justa entre os envolvidos.
Insta frisar, ainda, que existem os chamados Acordos de Usuário Final ou “EULA”, termo em inglês que significa “End User License Agreements”. Esses contratos são justamente termos de uso criados pelos desenvolvedores ou os distribuidores do software para regulamentar a relação entre eles e o jogador/usuário.
Para além das regras propriamente ditas do jogo, os EULAs servem criar regras de conduta para o jogador e definir as consequências da violação delas, proibir conteúdo não adequados, proteger a propriedade intelectual dos desenvolvedores, evitar violação de direito autoral, entre outros.
O EULA do jogo “League of Legends”6, da Riot Games[4] prevê que a conta do usuário pode ser suspensa ou encerrada caso ele viole as regras de conduta, como assediar outros jogadores, fazer uso de linguagem abusiva ou empregar cheats e hacks (códigos de trapaça). Nesse sentido, o seguinte trecho do EULA:
“Em caso de violação, a Riot se reserva o direito de tomar medidas disciplinares apropriadas, inclusive banimentos temporários, suspensão, ou encerramento e exclusão da conta, banimentos de hardware, remoção de conteúdo, redefinições de progresso do usuário, limitações na funcionalidade de chat e restrições e banimentos de filas de pareamento, a fim de proteger a integridade e o espírito dos Serviços da Riot, independentemente de um comportamento específico estar listado ou não nas Regras de Usuário como inadequado.”
Além disso, outra prática comum, mas que frequentemente importa em banimento, é a venda de contas e/ou itens de jogos MMO. Os desenvolvedores frequentemente incluem cláusulas em seus EULAs que proíbem essa prática. De acordo com Longhi e Castro (2021)[5]:
“Diversos casos de transações comerciais nos jogos virtuais ainda são um tabu, pois a ausência de fiscalização e a multi-territorialidade existente na internet dificulta aplicação das leis tributárias, contudo tal medida facilita a transição de bens virtuais.”
Dessa forma, apesar de o jogador ser “proprietário da conta” e responsável por todas as ações realizadas nela, a prática de venda de contas e itens fora das plataformas autorizadas é considerada como uma quebra do contrato de serviço.
Isso ocorre porque os desenvolvedores, por meio de cláusulas contratuais, reservam a si a propriedade absoluta dos bens virtuais. E essa proibição estaria ligada à proteção dos direitos autorais do desenvolvedor, conforme dispõe o artigo 49 da Lei nº 9.610/98. Assim, os bens adquiridos pelo jogador dentro do jogo conferem apenas uma titularidade “temporária”, que se extingue com o consumo do item no próprio ambiente do jogo.
Contudo, cria-se um conflito, que é a contradição entre o investimento de tempo e dinheiro dos jogadores para o aprimoramento de suas contas e a restrição da sua “propriedade” real sobre a conta e os itens virtuais.
Esta é uma discussão em alta na comunidade dos jogos, pois se a relação é regida por normas contratuais que reconhecem o valor do bem, e se a própria legislação consumerista permite a proteção de bens adquiridos licitamente, então por que, ao fim, o usuário não é reconhecido como legítimo titular do bem?
Nesse sentido, o impedimento à venda ou transferência não prejudica, de fato, o desenvolvedor do jogo, uma vez que essa transação apenas movimenta o ecossistema já existente e estimula o engajamento contínuo dos jogadores.
Portanto, observamos como a comunidade e os fãs de jogos desempenham um papel importante na forma como os jogos são experienciados e valorizados. A proteção dos direitos dos jogadores contra banimentos arbitrários depende mecanismos de transparência e equilíbrio nas relações entre usuários e desenvolvedores, seja por meio do Poder Judiciário ou, preferencialmente, pela criação de normas específicas.
Ademais, houve avanços pontuais, mas a ausência de uma regulamentação robusta ainda fragiliza o consumidor diante de práticas contratuais e unilaterais.
Por Gabriele Bandeira Borges.
REFERÊNCIAS:
[1] TJSP. Processo 1034587-43.2024.8.26.0114. Juiz(a) de Direito: Dr(a). Anderson Pestana de Abreu. 3ª Vara Cível do Foro da Comarca de Campinas/SP. Julgado em 2 de junho de 2025.
[2] TJSP; Apelação Cível 1001635-72.2023.8.26.0590; Relator (a): Rodrigues Torres; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Vicente – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/12/2024; Data de Registro: 11/12/2024
[3] Setor de games no Brasil movimenta R$ 13 bilhões por ano, mas ainda sem uma política nacional adequada. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/tecnologia/setor-de-games-no-brasil-movimenta-r-13-bilhoes-por-ano-mas-ainda-sem-uma-politica-nacional-adequada/. Acesso em 16 de julho de 2025.
[4] ARTS, E. Contrato do Usuário – Site oficial da EA. Disponível em: https://www.ea.com/pt-br/legal/user-agreement#termination-and-other-sanctions. Acesso em 16 de julho de 2025.
[5] VICTOR, J.; LONGHI, R.; MEDEIROS DE CASTRO, C. O DIREITO DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO ELETRÔNICO DOS JOGOS “MMORPG” E JOGOS SOCIAIS (FREEMIUNS) LEGAL ASPECTS OF MMORPG AND IN SOCIAL GAMES – FREEMIUNS. [s.l: s.n.]. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6b3829244a3cb6ef. Acesso em 7 de junho de 2021.