Nos últimos anos, o direito de família tem enfrentado novos desafios relacionados à dinâmica das relações familiares em transformação. Entre os temas de maior relevância estão a guarda compartilhada e a alienação parental, institutos que, embora distintos, frequentemente se entrelaçam em situações de dissolução do vínculo conjugal.
A guarda compartilhada foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 11.698/2008 e posteriormente reforçada pela Lei nº 13.058/2014. Este regime busca assegurar a convivência equilibrada entre os genitores e o pleno desenvolvimento da criança, fundamentando-se no princípio do melhor interesse do menor, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Constituição Federal de 1988.
A guarda compartilhada determina que ambos os pais compartilhem a responsabilidade pelas decisões relativas à vida dos filhos. Não se trata necessariamente de dividir o tempo de forma igualitária e nem de dividir a residência da prole, mas sim de garantir que ambos os genitores participem ativamente da criação, independentemente do tempo de convívio.
Nesse sentido, ambos podem decidir à respeito da instituição de ensino que será frequentada pelos menores, dos tratamentos de saúde, à respeito de cursos e atividades extracurriculares etc.
Dessa forma, mesmo diante de avanços significativos que tenham ocorrido com a adoção deste modelo, sua aplicação ainda encontra resistência em alguns casos. Divergências entre os genitores e situações de conflito intenso podem dificultar a implantação da guarda compartilhada, comprometendo os benefícios previstos e até mesmo, eventualmente, culminar em alienação parental.
A alienação parental, conceituada pela Lei nº 12.318/2010, ocorre quando um dos genitores promove, consciente ou inconscientemente, atos que prejudicam o relacionamento da criança com o outro genitor.
Exemplos incluem desqualificar o pai ou a mãe, dificultar o contato ou manipular o filho para rejeitar o outro genitor.
Esse fenômeno é prejudicial ao desenvolvimento emocional da criança e pode ser agravado em situações de conflitos judiciais prolongados. Estudos apontam que a alienação parental pode gerar danos psicológicos duradouros, como baixa autoestima, ansiedade e dificuldade em estabelecer relações saudáveis na vida adulta.
A conjugação entre guarda compartilhada e alienação parental apresenta desafios significativos. Embora a guarda compartilhada seja vista como uma forma de prevenir a alienação, ela não é uma solução definitiva. Em contextos de conflito extremo, o regime pode intensificar as disputas e expor a criança a situações ainda mais prejudiciais.
Por outro lado, a legislação brasileira prevê mecanismos para coibir a alienação parental, como a inversão da guarda ou a suspensão do poder familiar em casos graves. Ainda assim, a eficiência dessas medidas depende da sensibilização dos operadores do direito que nem sempre é fácil e do fortalecimento de uma rede de apoio psicossocial que ofereça suporte às famílias em conflito, que as vezes demanda o gasto de recursos que nem todas as famílias possuem.
De todo modo, vimos percebendo avanços significativos nos Tribunais pátrios que, identificando a ocorrência da alienação, vêm invertendo a guarda, como se pode perceber dos casos abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. IMPEDIMENTO DE CONVÍVIO. DESCUMPRIMENTO DOS TERMOS DA GUARDA COMPARTILHADA. ALIENAÇÃO PARENTAL CONFIGURADA. REVERSÃO DO DOMICÍLIO JUSTIFICADA. Furtando-se a agravante, de modo injustificado, ao cumprimento dos termos do acordo de guarda compartilhada, impedido o convívio entre pai e filho, em manifesto prejuízo ao desenvolvimento saudável da criança, resta configurada, conforme o disposto no artigo 2º da Lei nº 12.318/2010, a prática de atos típicos de alienação parental que justificam a reversão do domicílio do menor em favor do genitor/agravado e, por consequência, a confirmação da ordem de busca e apreensão. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO – AI: 07462143320198090000, Relator: Des(a). LEOBINO VALENTE CHAVES, Data de Julgamento: 31/03/2020, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 31/03/2020)
DIREITO DE FAMÍLIA – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO – AÇÃO DE REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS – MODIFICAÇÃO DA GUARDA DE OFÍCIO – ATENDIMENTO DO MELHOR INTERESSE DA MENOR – NULIDADE DA SENTENÇA – INOCORRÊNCIA – PRELIMINAR REJEITADA- GUARDA UNILATERAL – POSSIBILIDADE – RELAÇÃO CONFLITUOSA – ALIENAÇÃO PARENTAL – OCORRÊNCIA – FIXAÇÃO DE MULTA – VISITAÇÃO ASSISTIDA – POSSIBILIDADE – PRESERVAÇÃO DA SAÚDE MENTAL DA INFANTE – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – APRECIAÇÃO EQUITATIVA – ART. 85, PARÁFRAFO 8º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – POSSIBILIDADE – VALOR INESTIMÁVEL – RECURSO DESPROVIDO – De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, pode o juízo agir de ofício para preservar os interesses da menor, não gerando nulidade da sentença que a fixação da guarda unilateral tenha se dado em favor daquele que requereu a regulamentação de visitas – Embora a guarda compartilhada seja a regra geral prevista na legislação, a guarda unilateral pode ser fixada em situações em que o compartilhamento não se mostrar recomendável e colocar em risco o desenvolvimento sadio do menor, o que encontra amparo no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, previsto no artigo 227 da Constituição Federal; – Resta configurada a prática de alienação parental, se o laudo psicológico indica claramente o comportamento do genitor de responsabilizar a ex-mulher pela separação e de desqualificar a figura desta, interferindo na visão que a filha tem de sua mãe – A regulamentação do direito de visita é garantia que deve atender, em primeiro lugar, ao interesse da criança, sendo imprescindível que se observe, sempre, a forma que melhor assegurar o interesse do menor, atentando-se para sua faixa etária, em função do seu desenvolvimento físico, mental, emocional e, também, social – É possível a apreciação equitativa dos honorários de sucumbência, observadas as disposições do artigo 85 do Código de Processo Civil, o que se verifica n o caso. (TJ-MG – Apelação Cível: 5004264-58.2020.8.13.0382 1.0000.21.046931-8/005, Relator: Des.(a) Moreira Diniz, Data de Julgamento: 13/06/2024, 4ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 14/06/2024)
A guarda compartilhada e a alienação parental são temas centrais no direito de família contemporâneo, refletindo as complexidades das relações familiares na atualidade. Enquanto a primeira representa um ideal de corresponsabilidade parental, a segunda evidencia as consequências negativas do conflito entre os genitores.
Para enfrentar esses desafios, é essencial promover a conscientização dos pais sobre a importância do bem-estar dos filhos e investir em soluções extrajudiciais que privilegiem o diálogo e a mediação.
Se mesmo assim, não for possível colocar termo à eventual situação indesejada, a ajuda de um profissional especializado pode sempre ser um aliado para preservar o convívio com os filhos e evitar que estes sejam prejudicados pelas atitudes de um dos genitores.
Por Victor Pacheco Merhi Ribeiro