Em maio de 2025, em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de alteração do registro civil para “gênero neutro”.
A decisão foi proferida no âmbito do Recurso Especial 2.135.967, que tramita em segredo de justiça e foi interposto por uma pessoa transgênero não binária, em busca de adequar seus documentos à sua identidade de gênero.
Pessoa transgênero é aquela cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo que lhe foi atribuído ao nascer (baseado nos órgãos genitais), podendo ela se identificar com um dos gêneros da lógica binária (masculino ou feminino), ou se identificar como não binária (gênero neutro).
No caso de pessoas transgênero que se identificam com o gênero feminino ou masculino, a alteração de nome e gênero no registro civil é realizada diretamente em cartório desde 2018, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275.
Destaca-se que o Provimento nº 149/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamenta os serviços notariais e de registro, prevê que o atendimento ao pedido de retificação de pessoas transgêneras “independe de prévia autorização judicial ou da comprovação de realização de cirurgia de redesignação sexual e/ou de tratamento hormonal ou patologizante, assim como de apresentação de laudo médico ou psicológico”.
Após a recente decisão do STJ, espera-se que procedimento semelhante passe a ser adotado também para pessoas não binárias, que até então ficavam à margem da lei. Nesse sentido é o voto da Ministra Relatora Nancy Andrighi, conforme trechos abaixo:
“Seria, pois, incongruente admitir-se posicionamento diverso para a hipótese de transgeneridade binária e não binária, uma vez que em ambas as experiências há dissonância com o gênero que foi atribuído ao nascimento, devendo prevalecer sua identidade autopercebida, como reflexo da autonomia privada e expressão máxima da dignidade humana. (…) Assim, é de ser reconhecido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa transgênera não binária de autodeterminar-se, possibilitando-se a retificação do registro civil para que conste gênero neutro.”
Ainda que a decisão tenha caráter individual, ela cria um precedente relevante e pode estimular novos pedidos administrativos e judiciais para o reconhecimento do gênero neutro em registros civis. Além disso, a decisão é um convite para a reflexão sobre a necessária atualização da legislação e das práticas cartorárias frente às diversas expressões de identidade de gênero.
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Por Carla Martins de Oliveira.