ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E CONTRATOS

Há muito, cientistas e organismos nacionais e internacionais têm debatido os possíveis impactos de eventos ambientais que teriam como causa as alterações climáticas sofridas pelo planeta. A despeito das discussões relacionadas à uma possível causa antrópica ou decorrente de processos naturais recorrentes ao longo da história climática do planeta, não se pode olvidar que a cada dia nos deparamos com eventos ambientais extremos (e.g. chuvas intensas, secas, altas e baixas temperaturas acima da média etc.) que criam ou agravam problemas como enchentes em áreas urbanos, incêndios florestais, diminuição da oferta de alimentos em razão de impactos na agricultura e agravamento de situações socioeconômicas, em especial nos países mais pobres.

Neste contexto, a cada dia, parte dos juristas tem se preocupado com as consequências das alterações climáticas aos contratos, em especial àquelas cujas características, dizem respeito à execução das prestações das partes ao longo do tempo, tais como os contratos de longa duração (e.g. distribuição, fornecimento etc.), contratos de trato sucessivo (e.g. aluguel) ou contratos de execução diferida (e.g compra e venda a prazo). Por consequência, tais categorias de contratos estão sujeitos às situações juridicamente relevantes caracterizadoras de alterações das circunstâncias, tais como a impossibilidade superveniente da obrigação, onerosidade excessiva, frustação do fim do contrato, além de eventos que caracterizam caso fortuito ou força maior.

O estudo envolvendo alterações climáticas e contratos se justifica a partir da tentativa de resolver as seguintes questões: até que ponto determinado evento que tem por causa alterações climáticas justifica a incidência sob à relação contratual de uma das figuras típicas da alteração das circunstâncias? Estamos diante de  eventos imprevisíveis ou incontroláveis a afastar a distribuição de riscos do contrato e assim justificar a incidência da disciplina da alteração das circunstâncias?  O que é imprevisível ou incontrolável? É possível afastar a responsabilidade civil em razão de eventos decorrentes de mudanças climáticas?

No Brasil ainda não há grande repercussão sobre a relação entre contratos e mudanças climáticas. Entretanto, países como Alemanha, Holanda e Portugal já começam a se debruçar a respeito de litígios envolvendo mudanças climática em áreas como responsabilidade civil extranegocial e negocial, força maior ambiental e incumprimento de deveres secundários de due diligencie, entre outros.

Decisão bastante controversa foi tomada pelo Tribunal Distrital de Haia (Holanda) de 26 de maio de 2021(Milieudefensive et al v. Royal Dutch Shel PLC), no qual uma sociedade empresária foi condenada a reduzir os níveis de emissão de dióxidos de carbono sob o argumento no descumprimento de um “dever tácito de cuidado”.

Em Portugal destaca-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de abril de 2021[1] no qual a demanda se cingiu a um contrato de fornecimento de azeite de oliva celebrado entre um fornecedor português e um comprador italiano no ano de 2014. A fim de justificar a não entrega do produto, o fornecedor alegou que falta da produção de azeite decorreu de alterações climáticas que levaram a uma diminuição substancial na produção de olivas. Na sequência, o credor italiano ajuizou demanda pedindo a condenação do fornecedor ao pagamento de perdas e danos por ter sido obrigado a adquirir azeite de outros produtores por preço maior.

Ao longo da instrução em primeira instância ficou demonstrado que no outono de 2014 as temperaturas foram superiores à média histórica, tendo sido o mês de outubro mais quente desde o ano de 1931. Tal circunstância potencializou o ataque de pragas e que em razão da praga o fornecedor  teve uma quebra de 50% ( cinquenta por cento) da produção em relação aos anos anteriores. Do mesmo modo, apurou-se que a produção de azeite em Portugal nas safras de 2014/2015 foi menor do que o produzido na safra 2013/2014.

 Apesar da comprovação da quebra de safra em razão dos eventos climáticos, a  decisão do  Supremo Tribunal de Justiça foi favorável ao comprador, sob o argumento de que “a quebra de produção de azeite decorrente de condições climáticas adversas (como as mudanças de temperatura, ou a possibilidade de doenças nas culturas) - a que tal atividade está, por natureza, sujeita - também não poderia sem mais e em rigor, configurar uma alteração anormal (e de todo imprevisível), das circunstancias causais da celebração do negócio por ambas as partes”.

Em suma, entendeu o Tribunal lusitano que as condições climáticas adversas e a possibilidade de ataque de doenças, por já serem conhecidas e observáveis ao longo dos anos já estaria coberta pelos riscos próprios do contrato de fornecimento de produtos agrícolas, não havendo que se falar em qualquer hipótese de alteração das circunstâncias a justificar o incumprimento do contrato, a exemplo do caso fortuito ou da força maior.

Entendemos que as alterações climáticas que ocorrem ano a ano como períodos maiores ou menores de chuva sempre foram consideradas dentro do risco do contrato que envolva o fornecimento de produtos agrícolas. Situação diversa, porém, são eventos extremos que fogem ao previsível, tal qual parece ter ocorrido no caso português.

Portanto, embora a decisão tenha se valido da interpretação usual entre riscos do contrato e alteração das circunstâncias, segundo a qual estando um evento superveniente acobertado pelos riscos normais do contrato não haveria que se falar em alteração das circunstâncias, certo é que a situação encarada pelo fornecedor suplantava os riscos do contrato, acarretando seja a impossibilidade da prestação, seja uma excessiva onerosidade, caso o fornecedor fosse obrigado a comprar o azeite  a um preço mais caro para fornecê-lo ao credor.

Facilmente se observa que as questões envolvendo as mudanças climáticas e os contratos exige atenção dos juristas e empresas a fim de minorar os riscos contratuais envolvidos e que demandará maior atenção nos próximos anos.

Por Yuri Pimenta Caon


REFERÊNCIAS:

[1] Referências em PIRES, Catarina Monteiro.  Alterações Climáticas e Litígios Contra Sociedades Comerciais.  Os tribunais portugueses o futuro5 minutos de Direito.  8 jan. 2024.  Disponível em ]: https://newsletter.monteiropires.pt/p/alteracoes-climaticas-e litigios?r=2hz41x&utm_campaign=post&utm_medium=web. Acesso em 22 jan. 2024.

Gabriele Bandeira Borges