CONTRATUALMENTE FALANDO Nº 01 - BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA CLÁUSULA “TAKE OR PAY” (“TOP”)

INTRODUÇÃO

Este é o primeiro número da série “Contratualmente Falando”, que terá por objetivo apresentar de modo sintético alguns dos pontos mais relevantes em discussão no direito contratual contemporâneo, por meio de artigos que levem em consideração não somente a discussão teórica, mas principalmente a aplicação prática do direito contratual na esfera empresarial.

Para tanto, além da análise teórica, também serão trazidas considerações jurisprudenciais a respeito dos principais temas relativos ao direito contratual empresarial.

Nesse primeiro número, que será o início de uma série de exame de cláusulas contratuais, faremos um breve exame da cláusula “take or pay”,   apresentando seu conceito e sua finalidade, além de sua discussão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Tratando-se de umas das cláusulas de uso cada vez mais corriqueiro, tem sua maior aplicação no mercado de energia, com destaque para os contratos de fornecimento de gás e energia elétrica.

 

DA CLÁUSULA “TAKE OR PAY”

Assim como várias outras cláusulas de grande uso na atualidade, a cláusula “ToP” tem sua origem na Common Law norte americana, a exemplo de cláusulas como “earn out”, “wash-out”, “hardship”, entre outras, tendo se desenvolvido principalmente no mercado de energia, com destaque para os contratos de fornecimento de gás e de energia elétrica.

Não é por outra razão que a Lei nº 10.312/2001, com redação alterada  pela Lei nº 12.41/2011, mesmo tendo por objetivo dispor a respeito de aspecto fiscal relativo às operações de gás natural, trouxe no § 4º do seu art. 1º uma definição da cláusula “take or pay”:

§4º Entende-se por cláusula take or pay a disposição contratual segundo a qual a pessoa jurídica vendedora compromete-se a fornecer, e o comprador compromete-se a adquirir, uma quantidade determinada de gás natural canalizado, sendo este obrigado a pagar pela quantidade de gás que se compromete a adquirir, mesmo que não a utilize. (Incluído pela Lei nº 12.431, de 2011).

Embora haja uma pretensão de “definição legal”, é possível dizer que a cláusula “take or pay” é uma cláusula socialmente típica[1], que pode ser conceituada como o acordo inserto em contrato bilateral de execução duradora, referente à obrigação principal, por meio do qual o comprador, dada as especificidades do negócio jurídico, tem a seguintes alternativas: se compromete a adquirir determinada prestação, no que tange à quantidade e preço ofertada pelo vendedor (“take”) ou a pagar quantia referente a um determinado valor mínimo pela disponibilidade do produto ou serviço (“pay”).

 Em  termos gerais, as finalidades da cláusula “ToP” são as seguintes : a)   funcionar como um verdadeiro instrumento de gestão de risco, por meio do qual   o vendedor assume o risco de o preço do insumo (gás ou energia elétrica) vir a aumentar, enquanto o comprador, de outra banda, assume o risco de a sua demanda pelo insumo contratado vir a diminuir; e b) atuar como um importante meio de garantia de determinado fluxo financeiro estável, a depender das especificidades do negócio, permitindo que o vendedor tenha um receita mínima e previsível.[2]

Recentemente, a cláusula foi objeto de debate no âmbito do REsp nº 1.984.655/SP. A discussão dizia respeito a possibilidade de emissão de duplicatas fundadas em contrato de compra e venda de gases para uso industrial, cujo valor calculado tinha como base a cláusula “take or pay”. A duplicata é título de crédito previsto na Lei nº 5.474/1968 e tem por finalidade retratar de forma autônoma uma obrigação cambiária, tendo por causa um contrato de compra e venda mercantil a prazo.

Ante as duplicatas sacadas pela vendedora (“White Martins”), a compradora, uma indústria de bebidas (“Socorro Industria de Bebidas Ltda”),  ajuizou ação declaratória de nulidade das duplicatas e inexistência de débito,  sob o argumento de que as duplicatas foram sacadas sem que a compradora tivesse recebido o produto por parte da vendedora, o que configuraria “duplicata simulada”.

A ação foi julgada improcedente pelo juízo de primeira instância, sob o argumento de que o contrato celebrado entre as partes prevê o fornecimento de gás e que há cláusula prevendo o consumo mínimo (cláusula de “take or pay”), a qual foi considerada válida.

Em sede de recurso de apelação interposto pela compradora, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença de primeira instância, dando provimento ao recurso da compradora para declarar a nulidade das duplicatas sacadas. Para o Tribunal Paulista, apesar de haver um contrato de compra e venda de gases entre as partes, não seria possível a emissão de duplicata com base na cláusula “take or pay”, pois esta estabelece um consumo mínimo que independe do efetivo fornecimento do produto, o que descaracterizaria o contrato de compra e venda.

A vendedora interpôs Recurso Especial sob o argumento principal de que o acórdão foi omisso quanto à alegação de validade das duplicatas, visto que emitidas com base no contrato de compra e venda de gases com cláusula de “take or pay” e que esta seria plenamente válida.

No  julgamento do Recuso Especial, a  relatora Min. Nancy  Andrighi,  após uma explanação a respeito da cláusula “take or pay,” suas finalidades e sua diferenciação em relação a outros institutos a exemplo da cláusula penal,  consignou que:

“[...] a inserção dessa espécie de disposição negocial em um contrato de compra e venda de gases não desnatura o negócio jurídico, o qual não deixa de ser uma compra e venda.  Isso significa que o contrato de compra e venda com cláusula de take or pay continua regido pelas normas do direito das obrigações e pelas regras específicas relativas a essa modalidade contratual[...]”

  Assim sendo, considerando a questão discutida, o cálculo do montante devido com base na cláusula “ToP” seria válido, de modo que em determinada época, em razão de a quantidade de produto fornecido (gás) ter sido inferior ao mínimo convencionado, o preço foi calculado não de acordo com o quantum efetivamente consumido, e sim nos moldes da cláusula “take or pay”.

Portanto, segundo o  Superior Tribunal de Justiça, mantendo-se a natureza de compra e venda, seria perfeitamente válido o saque de duplicatas relativas a débitos calculados com base na cláusula “ToP”.

A discussão travada no Superior Tribunal de Justiça mostra a relevância da cláusula, sem restringir sua aplicação apenas para contratos de compra e venda de gás. Sem dúvida, a aplicação da  cláusula “ToP” é possível em diversas modalidades contratuais, desde que estas sejam duradouras e envolvam prestação e contraprestação (e.g. compra e venda, prestação de serviço,  fornecimento etc.).

Por certo,  haverá a cada dia  uma maior difusão da cláusula, o que exigirá a necessidade de uma maior compreensão pelas empresas, de modo que estas tenham certeza a respeito do que estão contratando e seus riscos.

 Por Yuri Pimenta Caon



[1] A respeito das cláusulas socialmente típicas e os referidos tipos sociais de contrato vide VASCONCELOS,  Pedro Pais.  Contratos Atípicos. 2 ed.  Coimbra: Almedina, 2009,  p.  61 e passim.   Para o autor  “os tipos contratuais podem ser legais ou extralegais.  Legais são os que constam tipificados na lei;  extralegais são os que são tipificados na prática. Os tipos legais de contrato não esgotam  os tipos contratuais.  Para além dos que constam tipificados na lei,  outros tipos contratuais existem na prática da vida e da contratação. Na sua generalidade,  os tipos contratuais legais foram construídos sobre os correspondentes  tipos extralegais, sobre práticas contratuais que já eram típicas na sociedade.  Estes tipos, que são tipos normativos, quando  contrapostos aos tipos legais, que são tipos jurídicos estruturais, podem  designar-se adequadamente por ‘tipos sociais’”.

[2] MELO,  Leonardo de  Campos.  Cláusula de Take or Pay . Natureza Jurídica.  Disponível em https://www.academia.edu/43024513/Cl%C3%A1usula_Take_or_Pay_Natureza_Jur%C3%ADdica.  Acesso em 22.04.2024. 

Amanda Pilla Brambila