Questão que se debate tanto na jurisprudência quanto na doutrina pátria diz respeito à data em que há ocorrência do trânsito em julgado da decisão que desafiou recurso não conhecido no âmbito do processual civil.
Inicialmente, é imperioso notar que no âmbito penal, o julgamento do HC 86.125-3/SP pelo STF sedimentou o entendimento de que em matéria penal o trânsito em julgado retroagirá à data do escoamento do prazo para a interposição de recurso admissível, ou seja, produzirá sempre efeitos ex-tunc.
Por outro lado, no âmbito processual civil, entendemos que a interpretação deva ser diversa, uma vez que a adoção da mesma corrente poderá implicar em questões processuais relevantes e tormentosas, em especial quando se está diante da decisão que não conhece do recurso aviado por razão de deserção.
Veja-se por exemplo a questão da imposição de multa do art. 523, §1º, do CPC em razão do não pagamento voluntário da condenação em sentença proferida pelos juizados especiais cíveis.
Se entendermos que a deserção do recurso produz efeitos ex-tunc, a parte vencida será obrigada a pagar a multa pelo não cumprimento voluntário da sentença, além de já ter amargado a não apreciação do seu recurso declarado deserto.
Tem-se ainda a questão referente à ação rescisória. Pense-se no recurso declarado deserto pelo Tribunal após o decurso de 2 anos da prolação da decisão recorrida. Se os efeitos de referida decisão forem de natureza ex-tunc, a parte recorrente além de não ter o recurso apreciado, restará também impossibilitada de manejar a competente ação rescisória ante o decurso do prazo bienal.
Por estas e outras questões, entendemos que no âmbito processual civil a questão merece um olhar diverso e atento a depender das situações práticas, em especial na questão referente à deserção.
O código processo civil de 2015, que completou 10 anos neste ano, encampou a teoria de que a decisão que não conhece do recurso tem efeito meramente declaratória e não constitutiva.
Isso ocorre porque essa decisão não altera a relação jurídica original, apenas declara a impossibilidade de análise do recurso por não atender aos requisitos de admissibilidade.
Com efeito, quando um recurso não é conhecido, o tribunal apenas declara que o recurso não será analisado, mantendo a decisão anterior tal qual lançada. Não há uma mudança na situação jurídica das partes envolvidas, apenas a constatação de que o recurso não pode ser apreciado.
De modo diverso, se a decisão fosse dotada de efeito constitutivo, esta alteraria a relação jurídica, criando, modificando ou extinguindo um direito/obrigação, o que não ocorre quando o recurso não é conhecido.
Diante da natureza declaratória da decisão que não conhece do recurso, a análise de seus efeitos deve se dar a partir dos atos processuais para que se entenda se estes produzem efeitos até que tenham a sua invalidade declarada, ou se a decisão que declara a sua invalidade apenas expõe uma situação processual que já ocorreu em tempo pretérito, e vem produzindo efeitos desde então.
De forma geral, podemos admitir que todos os atos processuais produzem efeitos até a decretação da sua invalidade, sendo que o juízo de inadmissibilidade de determinado recurso decorre da constatação de defeito no procedimento recursal, devendo gerar, portanto, efeito ex-nunc.
Este é o entendimento que vigora no caso de aplicação da pena de deserção ao recurso. Com efeito, o reconhecimento da deserção é a verificação de que o recurso, apesar de tempestivo e correto, não preenche a totalidade dos pressupostos recursais e, portanto, não será apreciado.
Cabe ainda destacar que referido “vício” pode ser, inclusive, sanado pela parte recorrente que será intimada pelo Relator para complementar o pagamento insuficiente ou realizar o pagamento (em dobro) se inexistente, nos termos do art. 1.007 e parágrafos do CPC.
Veja-se, portanto, que a decretação da deserção, apesar de possuir natureza declaratória, apenas se operará após a intimação da parte recorrente para complementar o pagamento do valor ou para pagá-lo em dobro se não o tiver realizado e, assim, referida decisão declaratória produzirá tão somente efeitos ex-nunc.
Neste caso, o trânsito em julgado, será computado apenas após a prolação da decisão que declara a deserção, não havendo que se falar em efeitos retroativos e nem em trânsito em julgado prévio.
Hipóteses diversas, entretanto, são aquelas em que se está diante da intempestividade (recurso acostado após o termo final do prazo leal) e/ou manifesto descabimento do recurso, o chamado “erro grosseiro”. Nestes casos, o próprio CPC autoriza a adoção de efeitos ex tunc para fins de cômputo do trânsito em julgado da decisão recorrida.
Veja-se que no caso da (in)tempestividade, o recurso é protocolado após o termo final do prazo legal, sendo certo que já se operou o trânsito em julgado da decisão e, somente após este, houve o manejo do recurso.
Cabe destacar ainda que referido recurso intempestivo é expressamente vedado pelo art. 508 do CPC, que impede a prática de qualquer ato após o trânsito em julgado da sentença (que já ocorreu ante a ausência de protocolo de recurso tempestivo).
De forma análoga, o erro grosseiro, ou seja, o manejo de recurso inadequado e que não admite a aplicação do princípio da fungibilidade, também não tem o condão de impedir o trânsito em julgado da decisão.
Com efeito, para que se evite o trânsito em julgado, é imperioso que a parte recorrente apresente o recurso correto contra a decisão que pretende modificar. Não o fazendo, a parte não se desincumbiu de seu ônus processual e, assim, não poderá obstar o trânsito em julgado da decisão uma vez que, apenas o recurso cabível (e tempestivo) tem o poder de fazê-lo.
Neste caso, a decisão que não conhece do recurso por erro grosseiro também será dotada de efeitos ex-tunc dado que o recurso incorreto apresentado não tem o poder de impedir o trânsito em julgado da sentença que se operou independentemente da declaração pelo Tribunal.
Acresça-se ainda que, se fosse possível obstar o trânsito em julgado de uma decisão com a interposição de qualquer recurso, a parte interessada em impedir o fim da lide, poderia recusar eternamente o trânsito em julgado de qualquer decisão apenas com a apresentação de qualquer peça recursal de forma reiterada.
Neste sentido, podemos perceber que apesar de declaratória, a decisão que não conhece do recurso pode produzir efeitos de natureza tanto ex-tunc quanto ex-nunc, a depender do caso concreto.
Por Victor Pacheco Merhi Ribeiro