Ribeiro Cury

A Natureza Jurídica das Obrigações Ambientais

O Superior Tribunal de Justiça – STJ, em recente julgamento de recurso repetitivo (Tema 1.204), firmou a seguinte tese jurídica: “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direto real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente”.

De acordo com a relatora, Ministra Assusete Magalhães, já havia entendimento consolidado na Jurisprudência do STJ sobre o tema, que se baseava nos dispositivos legais indicados abaixo para sustentar a natureza propter rem, objetiva e solidária das obrigações ambientais:

(a) art. 2°, §2°, da Lei 12.651/2012 – atribui caráter propter rem às obrigações ambientais ao dispor que “as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”.

(b) art. 14°, §1°, da Lei 6.938/1981 – qualifica como objetiva a responsabilidade pela reparação de dano ambiental, ao dispor que “é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.

(c) art. 3°, inciso IV, da Lei 6.938/1981 – confere natureza solidária às obrigações ambientais, ao definir “poluidor” como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.

Como se vê, a própria legislação de regência, ao atribuir expressamente caráter propter rem às obrigações ambientais, já impunha a qualquer um que exercesse o domínio ou a posse do bem, ainda que não fosse o causador do dano ambiental, o dever de reparação, sendo o credor ou demandante, nestes casos, dispensado da comprovação do nexo de causalidade.

Em outras palavras, a inércia do atual titular do bem diante de degradação ambiental, ainda que pré-existente e independentemente de culpa, configura o que a doutrina chama de “omissão ilícita”, uma vez que quem se beneficia, agrava ou perpetua lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo, praticando ato ilícito passível de reparação.

Dada sua natureza solidária, cabe ao credor ou demandante, à sua escolha, exigir o cumprimento da obrigação do atual proprietário ou possuidor, ou de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade apenas o titular anterior que, comprovadamente: (a) tenha transferido a propriedade ou a posse do bem antes da causação do dano; (b) não tenha concorrido, direta ou indiretamente, com a causação do dano.

Vale destacar que a decisão ora comentada também ratificou o entendimento que já vinha sendo adotado pela Jurisprudência no sentido de que a natureza propter rem não é incompatível ou não afasta o caráter solidário das obrigações ambientais.

A regra geral da obrigação propter rem, que é aquela que acompanha o bem, desobrigando o alienante do seu cumprimento a partir do momento em que transfere a propriedade ou o domínio do bem, transferindo para o adquirente a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação, a exemplo do que ocorre nas obrigações de condomínio, não se aplica em matéria de meio ambiente.

Destarte, tem-se que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a natureza propter rem, objetiva e solidária das obrigações ambientais, além de revelar uma nova dogmática no campo da responsabilidade civil ambiental, mitigando, em alguns casos, a prova do nexo de causalidade, também confere, indiscutivelmente, maior efetividade na proteção e reparação do meio ambiente.

Luiz Alberto Cury J3únior